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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Mais um espetáculo: entre o proponente e o pedinte



"O artista hoje: entre o 'proponente' e o pedinte
O artista que passa o tempo recluso na solidão do ateliê, trabalhando, desenvolvendo sua experiência estética, como um operário da linguagem e do pensamento, está em extinção. É coisa de museu. Ou melhor, é raridade nos museus de arte, que estão deixando de ser
instituições de referência da memória para servir de cenários para legitimação do espetáculo. Às vezes, com míseros recursos que ficamos até sem saber direito: quando nos deparamos com baldes e bacias nessas instituições, se são para amparar a goteira do telhado ou se se trata de uma instalação, contemplada por um edital para aquisição de obras
contemporâneas...

O que interessa na politica cultural nem sempre é a arte e a cultura, e, sim, o glamour. Em nome da arte contemporânea, faz-se qualquer coisa que dê "visibilidade".
As políticas públicas foram relegadas às leis de incentivo à cultura e aos editais públicos. Nunca se fez tantos editais neste País, como atualmente, para, no fim das contas, fazer da arte um "suplemento cultural", o bolo da noiva na festa de casamento.
Na fala do filósofo alemão Theodor Adorno: "As obras de arte que se apresentam sem resíduo à reflexão e ao pensamento não são obras de arte". Do ponto de vista da reflexão, do pensamento e do conhecimento, a cultura não é prioridade. Na política dos museus, o objeto já não é mais o museu que se multiplicou, juntamente com os chamados "centros
culturais", nos últimos anos.

Com vaidade de supermercado, na maioria das vezes, eles disponibilizam produtos perecíveis, novidades com prazo de validade, para estimular o consumo, vetor de aquecimento da economia. A qualificação ficou no papel, na publicidade do concurso.
Esses editais que bancam a cultura são iniciativas que vêm ganhando força. Mostram ser um processo de seleção com regras claras para administrar o repasse de recursos, muito bem vendidos na mídia, como métodos de democratizar o "acesso" e a "distribuição de verbas" para as práticas culturais.
Mas nem são tão democráticos assim. Podem ser um instrumento possível e eficiente em certos casos, mas não são a solução, é possível funcionarem, também, como escudo, para dissimular responsabilidades pela produção, preservação e segurança do patrimônio cultural.
Considerando-se, ainda, a contratação de "consultorias", funcionários, despesas de divulgação, inscrição... o trabalho árduo e apressado de seleção... é tudo, enfim, um custo considerável, que, em último caso, gera "serviços" e renda.
O artista contemporâneo deixa de ser artista para ser proponente, empresário cultural, "captador" de recursos, um especialista na área de elaboração de projetos, com conhecimentos indispensáveis de "processo público" e interpretação de leis. Dedica grande parte de seu tempo a esse negócio burocrático, que é a elaboração e execução de
projetos, prestações de contas etc., todos contaminado pela lógica do marketing... coisas incompatíveis com o artista em si, que apostou na arte como uma "opção de vida" e com forma de conhecimento, algo que exige dedicação exclusiva...

Ou, pior ainda: o artista fica à mercê de uma "produtora cultural", para quem essa política de editais e fomento à cultura é, aliás, um excelente negócio...
Mais uma coisa é preocupante: e se essa política de editais se estender até a sucateada área da saúde, por exemplo? Imaginem uma "seleção pública" para pacientes do Sistema Único de Saúde, que necessitem de procedimentos médicos... Os que não forem  "democraticamente contemplados", teriam de apelar para a providência divina, já engarrafada com a demanda de tantos pedidos...
Nem é bom imaginar. Que esta praga fique restrita aos limites da esfera cultural... Na pior das hipóteses, é uma "torneira" que sempre se abre para atender parte de uma superpopulação de artistas, proponentes, pedintes...
O artista, cada vez mais, é um técnico passivo com direito a diploma de "bem comportado" em "preenchimento de formulário". E seu produto ficou relegado ao controle dos burocratas do Estado, e à "boa vontade" dos executivos de marketing das grandes empresas...
Se o projeto é bem apresentado, com boa "justificativa" de gastos e retornos, o produto a ser patrocinado ou financiado... se é mediano, se é excepcional, não importa! O que importa é a "formatação", a "objetividade" do orçamento, a clareza das "etapas" e a "visibilidade", o "produto final"...
Como sempre, existem as chamadas exceções, mas... 
Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)"

domingo, 27 de novembro de 2011

3º Fórum do Interior: Artes e Políticas Públicas








3º Fórum do Interior: Artes e Políticas Públicas
17 e 18 de dezembro - Hortolândia

Artistas e produtores do interior, litoral e grande São Paulo estarão reunidos para debaterem a atual política dos editais estaduais e modelos de financiamento à cultura para estado e municípios.
Os participantes terão estadia e alimentação durante os dois dias de realização do fórum.

Para se inscrever e mais informações


Realização:
Andaime Teatro - Piracicaba
Barracão Teatro - Campinas
Grupo Engasgato - Ribeirão Preto
Circo Teatro Rosa dos Ventos - Presidente Prudente
São Genésio Cia. de Teatro - Hortolândia
Cia. de Teatro Fábrica São Paulo - São Paulo
Cia. Teatral "Ainda Sem Nome" - Ribeirão Preto
Cia. Teatro da Cidade - São José dos Campos
Trupe Olha da Rua - Santos
Grupo Fora do SériO - Ribeirão Preto
Cultura em Movimento - São José dos Campos
Federação Prudentina de Teatro - Presidente Prudente
Apoio:
Prefeitura Municipal de Hortolândia
Secretaria Municipal de Cultura de Hortolândia
Cooperativa Paulista de Teatro

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

2° Texto sobre o 9° Festival de Teatro de Rua do Recife



Espetáculo Apresentado durante 09° festival de Teatro de Rua do Recife e 32° Escambo Popular Livre de Rua no dia 13 de novembro de 2011 no Alto Zé do Pinho, Recife-PE

O Boi as Avessas – Grupo Arteiros (Olinda –Pe)

Texto de Luiz Filho LULINHA

Estávamos todos vindo em cortejo, cantando, brincando, estabelecendo um olho a olho com a comunidade do Alto Zé do Pinho, região de Recife como uma grande historia de existência e resistência, com seus terreiros, maracatus, poetas marginais, artistas de diversas áreas, o alto nos entregava a cada esquina, cruzamento e beco uma surpresa. Esse é um elemento característico, pois o Alto não tem uma praça larga, espaço aberto iluminado, no entanto essa circunstancia nos empurrou, ou melhor, empurrou o festival para densidade e o desequilíbrio da rua, da passagem dos carros, das gentes, das coisas.

E foi numas dessas surpresas das ladeiras e becos do Alto que o "Boi as Avessas" nos esperava e nos encontrava, já que também a comunidade naquele momento já nos acompanhava em nossa desbravamento no alto, geografia heterogênea, alto de nos mesmo, pois a cada andada no alto, reconhecia-se o alto de muitos outros altos pelo Brasil.

Curiosamente naquela esquina aonde íamos daqui a um pouco, no espetáculo, devassar as brincadeiras populares de Pernambuco através do " O Boi as Avessas", havia uma quitanda, boteco, já cheio de moradores, rindo, conversando, brincando, tudo isso fazia parecer que aquele espaço aparentemente não suportaria o cortejo, a comunidade e o espetáculo, no entanto, novamente a rua, o espaço público, o espaço aberto nos jogou na possibilidade do impossível, e assim fomos nos arrumando, cedendo, ajeitando, espremendo e por fim uma roda-viela, uma roda-beco fez o boi brincar, abriu espaço para a catirina novamente rememorar seu infinito desejo de desafiar, seu infinito desejo de desejar algo.

Catirina no espetáculo "O Boi as Avessas" queria à língua do potente e singular velho dengoso figura marcante do Pastoril pernambucano. E assim Mateus era levado há uma caminhada para os diversos brincantes da cultura, pois se o velho dengoso não podia dar sua língua, pela eminente extinção de sua brincadeira nas ruas de terreiros de Pernambuco, ele ia atrás da língua do caboco de lança, do vaqueiro e tantos outros brincadores. Mateus nos conduzia por aquele busca incessante de realizar um desejo que era nosso próprio desejo, era nossa redescoberta.

Nesse contexto o grupo nos jogava nas contradições, desafios e labuta de nossa arte brincadora. Nos jogava na critica aos editais, em que certo momento da cena foi satirizado com uma pequena melodia "editais é de tais, tais, tais". O espetáculo brincava, questionava, esbravejava a metáfora real dos salteadores da nossa subjetividade, dos mercenários do que Amir Haddad cita como "não posso vender minha subjetividade". Ou em outra poesia também citada durante o 32° Escambo "Quanto vale minha arte, quanto?".

Nesse sentido, a sempre conhecida, porém misteriosa, encantada e simbólica historia do desejo de catita por uma língua, estando ela grávida, cheia da vida e da força que todo brincante, que toda arte popular carrega, era o pano de fundo para desafiar. Para denunciar a mercantilização de nossas cores (cordão azul X cordão encarnado), o desfalecimento do Pastoril frente à tentativa de existir como arte e não como mercadoria. O velho dengoso nos transmite sua mensagem de reviver a cada momento de brincadeira nossa existência-arte, nossa arte de existir, pois "quanto vale minha arte, quanto?".

                                                 por Raquel Franco, Atriz e Palhaça, nas horas vagas mestranda em artes cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

1° texto sobre o 9° Festival de Teatro de Rua do Recife



ESPETÁCULO "AVE RUA, CHAPÉU E GARGALHADAS"  CIRCO ALÉM DA LONA-SP

E foi assim, alem da lona, alem do picadeiro, alem, que assistindo o espetáculo "Ave Rua..." fui transportada para minha ancestralidade das artes de rua, dos fanfarrões, dos saltimbancos, dos artistas de rua das feiras medievais. No sol queimando todos os nossos miolos nos reunimos naquela roda para alem da lona indo parar na ilha do Maruim, e lá vinha o palhaço na perna de pau cantando, brincando, e as crianças boquiabertas com suas faces extasiadas de ver naquele espaço uma raridade daquela, sim porque poucas são as vezes que o teatro, o circo vai parar naquelas comunidades. Fundada a beira de uma praia que há muitos anos foi à base dos surfistas da cidade, a Ilha do Maruim fica da cidade de Olinda-Pe a beira mar, no entanto nem a vista do mar a comunidade tem, pois ergueram uma muralha à frente, tiraram a bela vista.
Entres saltos, piruetas, equilíbrio mão a mão, eu via aqueles artistas recuperar num salto de simplicidade o espaço memória de um dos inícios de nossas brincadeiras de rua, de nossa estética de rua, suas costas empoeiradas pelo chão não asfaltado da rua do maruim imprimia em seus corpos uma autenticidade ainda maior. Era ali naquele picadeiro de terra de areia, naquela lona de sol-quentura que íamos alem...
Acredito que completaria essa imagem memória do saltins medievais, a derradeira hora de passar o chapéu que os artistas optaram por não passar, mas que penso completaria essa Ave Rua. Esperei mais o chapéu não veio, talvez o sol perambulando na cabeça do artista, deixa meio zonzo o palhaço, já zonzo por natureza.
Afinal o circo se assentou naquele cruzamento da Ilha do Maruim, e eu novamente tive a certezas da profundidade da nossa arte de rua, ela recupera nossas memórias coletivas e transpõe para cada um a possibilidade da superação, do Alem. Ave rua, Ave gargalhadas, Ave chapéus!Ave!Ave!

Raquel Franco
Atriz, Palhaça e Brincante, nas horas vagas historiadora e mestranda em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte( pesquisando teatro de rua e circo)

domingo, 20 de novembro de 2011

Amador e profissional por Junio Santos

ARR'ÉGUA – AQUI SÓ TEM PROFISSIONAL DE TEATRO?

 

 

Desde menino – há uns trinta e nove anos  – quando comecei a dá meus primeiros passos na arte mágica do teatro - que a síndrome do teatro profissional me persegue como uma alma desumana e cruel.


Logo eu, que lá para os idos de 1973 - ou seja – cinco anos antes da regulamentação da profissão -  tive a felicidade de integrar o primeiro elenco de atores da Tv. Universitária de Natal -  e quem sabe os primeiros a terem suas carteiras assinadas – não como atores ou atrizes - mais ridiculamente com o nome de interpretes, devido não constar na lista de profissões do DASP, o termo ator, atriz ou diretor de teatro, coisa que só ficou definida por lei a partir de 1978.


Nesse período por sermos na Tv. Universitária os únicos artistas do Rio Grande do Norte profissionalizado, não tínhamos sindicatos. Até porque o sindicalismo na área engatinhava por todo Brasil, sendo mais representativo no Rio de Janeiro e São Paulo e começando ainda de forma bisonha na Bahia.


E lá estávamos todos nós "os amadores" ligados as federações e confederação de teatro – FENATA e depois CONFENATA -brigando  com os "ditos profissionais" pelos poucos recursos destinados a cultura e principalmente ao teatro via o Serviço Nacional de Teatro – SNT - que depois virou Instituto Nacional de Artes Cênicas – INACEN e por último Fundação Nacional de Artes Cênicas – FUNDACEN – que Fernando Collor de Melo orientado por alguns urubus profissionais que os apoiaram, fechou sem nos dá nenhuma consideração. 


Já nessa época me doía ter que  AMAR a DOR;


Já nessa época me chateava a insistência e a cobrança pra que se filiasse a um sindicato;


Por essa época já não agüentava e gritava contras  as punições impostas pelos dirigentes sindicais que só quem podia atuar era quem fosse sindicalizado e que estivesse em dias com as mensalidades.


Lembro-me ainda de uma palestra com o Ex-presidente do SATED-RJ o companheiro Sérgio Sanz, onde ele criticava com veemência  os sindicatos que surgiam em meio ao modismo, sem a participação efetiva dos fazedores de arte, sindicalizando de forma indiscriminada manequins, prostitutas e farsantes sem nenhuma história no teatro.


Não posso deixar de recordar o primeiro sindicato que surgiu em Natal onde a primeira Dama era madrinha do sindicato, como se aquilo fosse uma brincadeira de debutantes.


Não posso deixar de registrar a omissão desse mesmo sindicato quando de forma arbitraria fui preso no governo ditatorial do Sr. José Agripino Maia em 1993 e o sindicato lavou as mãos para não perder as benesses do poder.


Nós fazedores de teatro precisamos ler a história de forma e ângulo diferente das que nossos profissionais suburbanos estão querendo contar. Precisamos lembrar que num passado recente fomos acunhados de AMADORES por uma elite teatral que se auto-denominou de PROFISSIONAL. Não podemos esquecer que colocaram nas nossas cabeças que o amadorismo era o primeiro degrau pra se chegar a profissionalização e quantos de nós não perderam noites, sonhando como essa possibilidade? Até hoje encontro com artistas anônimos  correndo pras filas de figurantes das novelas globais, sonhando em ser estrelas e tornando-se em suas cidades pessoas chatas, arrogantes porque fizeram uma ponta ou porque passaram num testinho ridículo de um filme ou uma novela.


Não quero tornar esse inscrito uma forma de agredir esses "pobres molambos" artistas cabeças ocas, quero centrar minha criticas na forma estabelecida, no rigor e na tentativa ridícula dos sindicatos em tentar impedir que artistas representem por conta própria.


Com uma história cheia de um fazer acumulado na difícil missão de tornar o teatro cada vez mais popular e não somente fechado num confortável super-mercado cultural exibindo-se sempre para os mesmos, quero – junto com todos os brincantes e arteiros – viver o direito de continuar a ter as ruas como espaço de livre manifestação, se organizando através de movimentos e uma rede popular e aos mesmo tempo respeitar o direito daqueles que a séculos ocupam os palácios de luxo  cumprindo a missão estabelecida pelos seus donos – produtores, patrocinadores, financiadores – dando o que eles querem e gostam, tão bem definida na frase histórica do J. C. Mariategui do Peru e que se encontra registrada no livro EM BUSCA DE UM TEATRO POPULAR do incansável CESAR VIERA – grande fonte de pesquisa e alimento para os artistas populares, que diz:


" A burguesia quer do artista

uma arte que corteje e adule

seu gosto medíocre".

 

Macau-RN, 01 de novembro de 2011

 

Júnio Santos

Um brincante arteiro de rua


sábado, 19 de novembro de 2011

Teatro de rua ou teatro na rua?

TEATRO DE RUA, OU TEATRO NA RUA?[1]

Zeca Sampaio

Será esta uma questão meramente acadêmica? Será que estamos ficando sisudos? Que diferença faz uma preposiçãozinha "de" ou "na"?
Parece que para algumas pessoas há uma diferença e essa diferença parece ter importância. Vale apena tentar entender um pouco.
Se há um "Teatro" que é teatro em qualquer lugar, obviamente ele pode ser feito na rua, no circo, nas escolas, nos galpões das associações de bairro, ou no Teatro Municipal sem que haja uma diferença fundamental. O que o caracterizaria seria a sua qualidade pura e simples. Existiria o bom e o mau teatro e ponto.
Agora, um "teatro de rua" supõe um teatro que não é de rua, que vou chamar de teatro de palco, apenas para facilitar. O que caracteriza então esse teatro de palco, como diferente do teatro de rua?
Poderíamos começar por muitas vias, mas eu gostaria de pensar primeiro no tema da proteção. O teatro de palco é um teatro protegido, resguardado pela quarta parede, pela luz apagada na platéia, mas especialmente pela convenção que nos assegura que o público não vai invadir o espetáculo, não vai interferir, não vai interromper, nem abandonar seu papel de platéia. Salvo em raríssimas exceções, o artista no palco está seguro. De acordo com a tradição do teatro é ele o senhor do espaço, quem comanda as ações, quem diz as verdades, quem é iluminado pelas musas e a quem se deve reverência e submissão. Ao público, resta assistir tudo quietinho, mesmo que seja um tédio, e aplaudir no final – de preferência de pé para sentir que esteve presente a um evento importante.
A proteção desse teatro é o equivalente – não é a mesma coisa, mas corresponde – ao muro do condomínio, aos seguranças do Shopping Center. No mundo da cultura são construídos muros que separam a elite culta, talentosa, iluminada dos pobres mortais a quem cabe apenas o papel de assistência passiva e de fãs. O egocentrismo dos artistas (não só de artistas, mas de intelectuais, professores e outros donos da verdade) muitas vezes facilita o caminho de construção desses castelos murados, verdadeiros condomínios de luxo da cultura. Falando em sociedade dividida...
Na rua a conversa é outra. A rua não oferece esse tipo de proteção tão facilmente. Aqui a convenção é falha, o espaço é aberto e interfere, o público se mistura.
Quer dizer que o teatro na rua vai ser sempre um teatro sem o muro? Não necessariamente. Nós podemos ir para a rua e lutar para manter o nosso reduto de proteção. Nós fazemos isso sempre que nos colocamos em posição de elite, de superioridade; quando, mesmo politizados e levando mensagens revolucionárias em nossos espetáculos, tratamos nosso público como ignorantes alienados que precisam ser iluminados pela nossa sapiência; quando utilizamos métodos de proteção que nos colocam "acima e afora da manada"; quando o diretor diz ao ator o que ele deve fazer em vez de ajudá-lo a descobrir o que quer dizer; quando nos fechamos em discussões teóricas infindas, só compartilhadas pelos iniciados (o que justifica o estranhamento com a própria questão discutida aqui); enfim, sempre que permitimos que a lógica do sistema de divisão de classes e a tradição do coronelato interfiram com as nossas boas intenções.
Por outro lado, grupos e atores que vão para a rua por necessidade, oportunidade ou acaso podem ter uma experiência reveladora. Na rua, o muro se desnaturaliza, ele não é o óbvio. Como um adolescente de classe média alta que fosse obrigado por um acaso a andar de ônibus e de repente percebesse que há vida fora do Shopping Center, o artista que vai para a rua pode descobrir que há um muro do qual ele nada sabia. Um muro de proteção que na verdade serve para encarcerá-lo.
Fazer teatro de rua então, diferentemente de fazê-lo apenas na rua, seria desmontar o muro, lutar contra o muro e entrar na área do perigo. Fazer teatro de rua, como diria o outro, é um tanto arriscoso.
Que perigos são esses?
Vejamos por um outro caminho. Eu gostaria agora de retomar uma questão proposta por Zigmunt Bauman no livro "Vidas Desperdiçadas" e que serviu de ponto de partida para a montagem do espetáculo "Arrumadinho" da Trupe Olho da Rua: você é Projeto ou Refugo?
Segundo Bauman o sistema vigente (vou dizer o palavrão, desculpem os mais pudicos), o capitalismo globalizado, reino da barbárie, exige um comprometimento com o seu Projeto, ou seja, coloca as coisas em termos de uma dualidade: ou se é Projeto, ou se é Refugo. E o que é Projeto hoje, amanhã será Refugo, regra essencial do consumo.
Vamos convir que o teatro de rua esteja longe de fazer parte do Projeto. Isso significa que sempre estaremos sendo empurrados para o papel de Refugo. Mas essa dualidade proposta pelo sistema é, como sempre, ideológica e um truque sujo. É claro que sempre há alternativas, é claro que não podemos dividir o mundo, na lógica bushiniana (desculpem o outro palavrão. Quem manda mexer na sujeira?), entre os que são nossos amigos e os inimigos.
Além de Projeto e Refugo é possível se colocar na posição de Resistência.
Acho que quando se tenta separar o teatro de rua de um possível teatro na rua o que se está tentando evidenciar é esse sentido de Resistência. Um teatro que resiste ao muro, que quer manter, ou estabelecer, ou restabelecer um contato, uma interação, talvez formar de novo um lugar comum – comum unidade? – para fugir à lógica do sistema e, uma vez fora dela, poder mostrá-la como o que é: ideologia naturalizada. Um anti-Projeto que expõe, que critica, que duvida, que desvela.
A questão é: quanto tempo se aguenta resistir? É possível permanecer nessa posição?
O anti-Projeto corre o risco de se tornar Projeto. Um movimento forte estabelece pontes com as comissões, espaços para verbas, ganha um lugar ao sol, o teatro de rua passa a ser uma Categoria, com "C" maiúsculo. Quem sabe um dia, para concorrer a uma verba de teatro de rua o grupo precise de um aval da comissão permanente fiscalizadora do movimento de teatro de rua: CPFMTR! Eita sigla bonita!
Por outro lado, ninguém quer viver a vida toda sem condições mínimas de sobrevivência. Os grupos precisam de espaços para trabalhar, os artistas precisam de dinheiro para viver. Permanecer alheio ao mundo oficial, ao Projeto, pode significar a porta de entrada para o Refugo.
Como fazer para que a resistência seja uma atitude que possa permanecer? Como organizar a horda da resistência sem se tornar um exercito regular?
Resistir enquanto bando é possível enquanto existe o ímpeto que contrabalança a eficiência do exercito hierarquizado. Afinal, os soldados lutam contra seu coração. A história tem demonstrado, entretanto, que os bandos tendem a se dispersar, entrar em conflitos internos e depois de ganhar muitas batalhas ser vencidos pela constância, pela disciplina e pela sedução do sistema.
Ainda assim, é resistir ou desistir. Ou será essa outra falsa dualidade?

"Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar".
Bertolt Brecht
                                                          


[1] Esse texto Será publicado também na revista Arte e Resistência na Rua, uma publicação do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Banzeirando por Márcio Silveira

SANTOS, Márcio Silveira dos. Teatro de Rua Banzeirando - Longa Jornada adentro pelos Rios da Amazônia. Porto Alegre: Grupo Teatral Manjericão. Pesquisador, ator e diretor. Mestre em Artes Cênicas/UFRGS. Pesquisador, ator e diretor do Grupo Teatral Manjericão. Professor na Educação Básica do Município de São Leopoldo/RS.

RESUMO

A presente pesquisa foi desenvolvida durante o projeto "Banzeirando - Uma Jornada Teatral Pelos Rios da Amazônia", no período de 19/11/2010 a 23/12/2010. Na perspectiva de reflexão acerca do trabalho das práticas de teatro de rua do Grupo Teatral Manjericão/RS em travessia pelos Rios Madeira e Amazonas, entre as cidades de Porto Velho/RO e Manaus/AM. As práticas consistiram em apresentações do espetáculo de rua O Dilema do Paciente, de Márcio Silveira dos Santos, debates e registros por meio de fotografias, filmagens e constituição de um diário de bordo e de terra. Pretendemos aqui, estabelecer conexões do fazer teatral de rua nos dias de hoje, acerca da diversidade de contextos culturais, sociais, políticos e econômicos da Região Norte do Brasil. Tendo por base de reflexão teórica as bibliografias sobre Teatro de Rua, o material produzido no projeto e os conceitos de Teatro do Oprimido de Augusto Boal e a obra Tempos Líquidos, de Zygmunt Bauman.

Palavras-chave: Teatro de Rua. Práticas Teatrais. Banzeirando. Teatro do Oprimido. Tempos Líquidos.

ABSTRACT

This research was developed during the project "Banzeirando - Uma Jornada Teatral Pelos Rios da Amazônia", in the period from 19/11/2010 to 23/12/2010. From the perspective of reflection about the work practices of street theater in Grupo Teatral Manjericão/RS in crossing the Madeira and Amazon Rivers, between the cities of Porto Velho / RO and Manaus / AM. The practices consisted of presentations of the street spectacle O Dilema do Paciente, by Márcio Silveira dos Santos, debates and records through photos, filming and creation of a logbook and land. We intend here to establish connections to street theater today, about the diversity of cultural, social, political and economic aspects of Northern Brazil. On the basis of theoretical reflection on the bibliographies Street Theatre, the material produced in the design and the concepts of Theatre of the Oppressed by Augusto Boal and work net time of Zygmunt Bauman.

Keywords: Street Theatre.
Theatre Practice. Banzeirando. Theatre of the Opressed. Liquid Times.


Os Tripulantes

Fazer Teatro de Rua neste país é uma dificuldade tremenda não só por questões econômicas como também pelas intempéries climáticas. Embora o Grupo Teatral Manjericão tenha realizado muitas viagens, em mais de 13 anos de existência, quando fomos convidados pelo Grupo O Imaginário de Porto Velho/RO para fazer parte do Projeto "Banzeirando[1] - Uma Jornada Teatral Pelos Rios da Amazônia", não tínhamos noção do quanto esta Jornada poderia significar para nossas vidas. Não só enquanto artistas de teatro, mas também como Grupo, dentro de uma esfera teatral um tanto renegada pela cultura brasileira por tantos anos como o Teatro de Rua. Era um convite que trazia no seu bojo a realização de um sonho que todo grupo teatral deseja concretizar, uma circulação apresentando seus trabalhos e realizando trocas e vivências por um longo período de tempo.

O Projeto idealizado pelo Grupo O Imaginário, contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz 2010/Minc, consistia na realização de apresentações teatrais, debates, roda de memória e vivências no período de 22/11/2010 a 23/12/2010 durante uma jornada pelos Rios Madeira e Amazonas, entre as cidades de Porto Velho/RO e Manaus/AM. O Grupo Teatral Manjericão realizaria apresentações do espetáculo de rua O Dilema do Paciente, direção e dramaturgia de Márcio Silveira dos Santos, com atuação de Anelise Camargo Garcia, Márcio Silveira e Samir Jaime.

A tripulação de artistas consistia nos já citados do Manjericão, representantes do Rio Grande do Sul, mais Chicão Santos, Sidnei Oliveira, Thallisson Lopes, Sidnei Dias, do Grupo O Imaginário de Porto Velho; Tancredo Silva, do Acre; Nivaldo Motta, do Amazonas; Léo Carnevale, do Rio de Janeiro; e o multi-artista e professor Claudio Vrena, de Porto Velho. Já a tripulação barco Nossa Senhora Aparecida, do comandante José Ribeiro, consistia em nove pessoas.

A Jornada resultou em um diário de bordo e terra de sessenta páginas, que fui escrevendo e postando durante a viagem nos blogs do Manjericão e do O Imaginário, além de sites ligados ao teatro de rua como o da Rede Teatro da Floresta. Procuro aqui, através de trechos destes relatos, estabelecer conexões do fazer teatral de rua e sua relevância nos dias de hoje, a partir da diversidade de contextos culturais, sociais, políticos e econômicos que encontramos na Região Norte do Brasil.

O Inicio da jornada

Após dois dias intensos de preparação para a partida, com grandes temporais dificultando o transporte de materiais dos grupos para o barco, conseguimos zarpar em direção a localidade de Cujubim Grande, Distrito do Município de Porto Velho. Nas primeiras intervenções do Banzeirando. Percebemos porque O Imaginário convidou estes grupos com espetáculos pequenos e poucos integrantes para a Jornada teatral. São localidades pequenas com escolas, ruas, espaços culturais que não permitiriam espetáculos com necessidade de grandes locais para se apresentar e muitas foram de difícil acesso, tendo o deslocamento do elenco, saindo do barco até o local da apresentação, feito numa espécie de canoa de metal motorizada, conhecida como Voadeira. Embora os locais sejam pátios escolares, praças e ruas estreitas, e de difícil acesso, o público compareceu em grande volume. Demonstrando mais uma vez, a exemplo da circulação do Grupo Vivarte/AC[2], do quanto o teatro de rua é importante em situações como esta para evidenciar dados que não constam nas pesquisas e estatísticas do número de público nos teatros. Como apontam Licko Turle e Jussara Trindade (2010: 125)

O Teatro de rua se faz em toda parte... O público que assistiu às apresentações do Vivarte é justamente aquele que não aparece nas estatísticas do IBGE, por isso o relato adquire importância fundamental: ele demonstra que os índices divulgados nas pesquisas oficiais são baseados em dados equivocados, que levam em consideração apenas os freqüentadores do chamado edifício teatral - enquanto que, do lado de fora, o teatro de rua dá acesso a todos os cidadãos, sejam estes moradores de grandes metrópoles ou comunidades ribeirinhas da imensa Amazônia.

Em algumas localidades pequenas como a cidade de Uricurituba/AM, tínhamos a impressão que apresentávamos para todas as pessoas que ali moravam. Não só pela quantidade máxima de pessoas que couberam no espaço fechado, que optamos devido à ameaça de chuvas, mas também pela quantidade do lado de fora. Em outra cidade como Nova Olinda do Norte/AM, apresentamos na praça central, durante as apresentações que foram divididas em duas noites seguidas, havia tantas pessoas que mal conseguíamos encenar na roda que aos poucos diminuía. Muitas intervenções do Projeto Banzeirando tornaram-se a grande ou a única atração cultural do ano nas localidades.

Outra questão de destaque foi à diferente reação do público diante dos espetáculos, seja nos momentos de participação nas cenas como também fora de cena. No oitavo dia da jornada, apresentávamos O Dilema do Paciente no distrito de Calama/RO e o ator Samir Jaime improvisou uma cena primorosa. Há um momento em que o palhaço Brigela vai ao segundo médico para consultar, (o espetáculo em suma é uma crítica mordaz a saúde pública e privada no Brasil), contextualizando, Samir chamou três meninos e criou corporalmente uma Voadeira. A intenção era se deslocar imaginariamente até o posto de saúde, que nas localidades muitas vezes o atendimento é só no fim de semana. O público delirou com aquela interação ator e público, fator fundamental pra aproximação de ambos. Era visível o fazer teatral por parte daquele que nunca fez que não teve acesso a atividades culturais como o teatro. Que dadas às proporções tange o que Boal abordou com o Teatro do Oprimido, "... seu principal objetivo: transformar o povo, espectador, ser passivo no fenômeno teatral, em sujeito, em ator, em transformador da ação dramática." (1975:126)
Ou buscando uma conceituação mais atualizada, como propõe Desgranges (2006:77).

..talvez se possa conceber o Teatro do Oprimido como o teatro dos excluídos das práticas efetivamente democráticas, quem sabe o teatro do sedado pela espetacularização e a banalização promovida pelos veículos de comunicação de massa, ou o teatro dos sem oportunidade, (...), sem acesso aos bens culturais, dos sem arte, o teatro dos sem teatro, o teatro dos sem imaginário – ou melhor, dos que se indignam com o freqüente e amplo veto ao imaginário, que inviabiliza a possibilidade de formular sonhos próprios -, daqueles que, impedidos no presente, se sentem incapazes de reaver o passado e construir o futuro.

Samir Jaime depois desta improvisada cena, passou a adaptá-la nas demais apresentações do espetáculo, sempre procurando contextualizar no tipo de condução, como moto, carroça, jegue, carro, avião. Ou seja, não só criou uma nova cena como também se coloca em situação criativa toda vez que exercita o seu oficio.

O meio da jornada

Certa noite, já no barco após apresentações, o ator Nivaldo Motta estava parado como estátua olhando para o nada. Perguntei se estava bem, e após chorar, com a voz embargada, relatou o seguinte:

Hoje de manhã naquela escola tive uma experiência inesquecível! Estava já pronto de Dorminhoco, na cozinha esperando a deixa do Léo pra entrar em cena, quando levei um susto com alguém me agarrando às pernas e apertando com força quase me derrubando no chão. Olhei ligeiro e vi uma menininha muito pequena agarrada nas minhas pernas na altura dos joelhos. Ela me olhava com olhar de surpresa e alegria e me perguntou: - Tu é de verdade? Rapaz, aquilo me arrepiou! Me passou pela cabeça tudo que tu possa imaginar. Enquanto respondia que sim, me perguntava qual seria a referência daquela menina sobre palhaço. Com certeza ela nunca viu um na vida, só pela televisão ou livros de colorir. Eu tava ali, real, verdadeiro. Então comecei a entender mais ainda a importância deste projeto, do que estamos fazendo aqui no norte do Brasil, dentro da Floresta Amazônica. Eu ralo pra caramba. (...) Às vezes não sou tão valorizado, até minha filha não dá tanto valor ao que faço, justamente por não ter esta noção, o valor desta vida que levamos. Tô muito feliz com tudo isso![3]

Este trecho do diário de bordo mostra o quanto estávamos em um local distante, aonde muita informação só chega via televisão, e quando a há sintonia de canais. Provavelmente foi uma criança que não teve até ali contato com o teatro em sua formação, ou se teve foi em meio a imagens televisivas recheadas de outras noticias que geralmente são pautadas pelos interesses de grandes de empresas visando o lucro. Ou são pautadas por assuntos que produzem insegurança e medo diante do mundo real fora da telinha. Revelam "a miséria humana de lugares distantes e estilos de vida longínquos, são apresentadas por imagens eletrônicas e trazidas para casa de modo tão nítido e pungente, vergonhoso ou humilhante.." (Bauman, 2007:11).

Nesta relação profícua durante a jornada, os grupos também procuraram trocar muito de seus conhecimentos e experiências. Conversávamos demoradamente sobre a presença cênica do ator, ações psicofísicas, transiluminação, corpo sem órgãos, biomecânica, commedia dell'arte, antropologia teatral, distanciamento, didática da cena, a explosão do espaço cênico (rua), entre outras. Obviamente muitos caminhos semelhantes e muitas vontades idênticas, tanto na teoria/prática quanto nas dificuldades de manter um trabalho continuado, pois para sobreviver é necessário ter espaço físico e correr atrás de editais, prêmios e eventos cênicos.

A dificuldade maior em se produzir qualquer tipo de cultura no norte do país, se deve ao "custo amazônico". Um valor alto nos produtos comerciais que diferencia do resto do país. Para se comprar qualquer produto, podemos acrescentar no mínimo 50% acima do valor "normal" do resto do país. Um quilo de feijão pode custar até próximo de dez reais conforme a localidade. Há estudos que se o justificam com base em duas dificuldades: o alto custo de combustíveis, para levar os produtos até os lugares mais distantes, e a indisponibilidade de transportes para isso. Em muitos locais só são possíveis de chegar via barco ou avião. O povo do norte sofre pesadamente com essa questão. O custo de vida oscila muito conforme a cidade, se torna impossível sobreviver, o que gera assim um êxodo constante.

O fim da jornada

Dentre muitos fatores de dificuldades e surpresas, tivemos um acidente mais para o final. O Rio Madeira tem esse nome em função da quantidade de árvores que flutuam rio abaixo, devido às cheias e ao assoreamento pela exploração de minérios. Muitas destas árvores são como icebergs, escondem a maior parte do seu tamanho e foi nesta situação que a embarcação sofreu uma brusca batida que ocasionou a quebra de boa parte do equipamento de navegação. Navegamos durante dias pelos rios Madeira e Amazonas com metade da potencia, chegando a Manaus/AM, o barco foi içado para fora da água, para ser concertado enquanto realizávamos um cortejo no centro da cidade encerrando o Banzeirando.

Considerações Finais

O crescimento de um artista passa pela vivência. O que de fato ocorreu em cada uma das localidades. Nossa maturidade se desenvolveu de sobre maneira diante das adversidades e surpresas. Aprendemos muito e a transformação que sempre almejamos para aquele espectador atento a nosso trabalho se voltou para nossas vidas e nelas causou mudanças severas e generosas.
Hoje podemos dizer que conhecemos um pouco das intempéries de se viver no norte do País. Como a incomunicabilidade, a dificuldade de locomoção e transporte de pessoas e produtos, os valores altíssimos de tudo, que geram um novo termo econômico-social e cultural, o Custo Amazônico! No entanto diante deste quadro não muda a relação humana deste povo entre si e com os visitantes. Não medem o tempo pra dividir a mesa farta e uma roda de memória onde contam todas suas vidas e os causos, mitos e lendas da região. São histórias e vivencias que ficaram gravadas na história e marcaram época.

Referencias

BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

DESGRANGES, Flávio.  Pedagogia do teatro: provocação e dialogismos. São Paulo: Hucitec, 2006.

TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Teatro de rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Rio de Janeiro:E-papers, 2010.

Blogs e Sites



[1] Banzeirando significa o movimento das águas a partir de uma ação sobre ela. Aquelas ondulações provocadas por um barco, pelo vento, pelo barranco que desmorona, pelo boto que salta e mergulha novamente, pelo ser humano que se banha, pelo teatro que navega e se desloca respeitosamente pelos caminhos da Floresta Amazônica.
[2] O Grupo Experimental de Teatro de Rua Vivarte/AC, realizou o Projeto Circuito do espetáculo O Casamento da Filha do Mapinguari, em dezembro de 2009, pelas comunidades indígenas e ribeirinhas do rio Purus/AC. Projeto contemplado com o Prêmio Artes Cênicas na Rua/Funarte/Minc.
[3] Leia o relato na íntegra no blog http://grupoteatralmanjericao.blogspot.com

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O caso USP: para escapar de uma estratégia barata



O caso USP: para escapar de uma estratégia barata

*Fábio Salem Daie


Ultimamente, têm vindo à tona informações desabonadoras - textos e fotos - sobre manifestantes ligados ao movimento estudantil que, contrário à presença da Polícia Militar no campus, decretou greve na Universidade de São Paulo. Essas informações, isolando ações individuais e retirando-as do contexto, têm servido ao propósito de enganar o leitor, deformar os fatos e baratear uma discussão profunda sobre um dos maiores patrimônios do país.

Primeiro de tudo, é preciso dizer que isso é normal. Há, sim, erros, e não duvido que os estudantes tenham qualquer problema em admitir isso, desde que se jogue limpo. De uma certa maneira, todo movimento de grande porte sofre com desvios individuais que, por mais que tentem ser minimizados, são impossíveis de se prever e de ser evitar completamente. Tais desvios são, geralmente, causados por uma necessidade de amadurecimento político e experiência, coisa mais do que esperada quando a juventude inicia sua jornada pela prática política.

No entanto, a oposição à luta por uma USP mais democrática e aberta toma esses "exemplos isolados" e os expõe ao julgamento público de forma enviesada e burlesca: estudante com processos criminais, fotos de um com "baseado", o terceiro subindo no carro da polícia, etc. É uma estratégia para colocar em xeque, por meio de poucos, a credibilidade de todo o movimento, ainda que esse tenha reivindicações profundas e coerentes. Ataca-se as pessoas, indivíduos, em detrimento do movimento estudantil e de suas ideias 

O que tem sido veiculado é, portanto, uma imagem - completamente distorcida - dos estudantes como "maconheiros" e "playboys sem causa". A realidade, no entanto, é bem outra. Grande parte dos alunos da USP - sobretudo nos cursos de humanidades - provém de um estrato social modesto (muitas vezes pobre), e não por outro motivo muitos vivem no próprio Crusp (o Conjunto Residencial da USP) e almoçam e jantam por R$ 1,90. Para quem acha que isso ainda constitui alguma regalia - como têm divulgado por aí -, há que ir checar os cubículos do Crusp e saber que o prato de todos os dias é arroz e feijão, acompanhado de uma carne ou ovo. É completamente irresponsável, como tem sido feito, citar que a sociedade paga casa e comida aos estudantes sem citar de ondem provêm, como é essa casa e como é essa comida. Ninguém está ali de regalia.

Ainda assim, quando o Batalhão de Choque invadiu o campus, na madrugada do dia 8 de novembro, não hesitou em lançar bombas de gás num ambiente de trabalhadores e crianças que estavam dormindo. Muitos perderam a hora no trabalho, porque o Batalhão fechou as portas dos prédios, para que ninguém descesse. Os relatos de todos são de que, dentro da reitoria, amordaçaram uma das ocupantes, agrediram outros. Nenhum dos policiais tinha qualquer identificação.

Nesse vídeo de três segundos - http://www.youtube.com/watch?v=MT63ogYJ9gQ - a aluna grita "estou sendo agredida", e o policial responde, "ainda não". Questão: visto que qualquer celular possui câmera hoje em dia, curioso que os alunos não tenham aparecido com nenhuma outra gravação da entrada dos policiais. Por quê? A polícia não deixou ninguém sair com gravações internas da reintegração de posse. Por quê? Ninguém diz nada sobre a truculência policial. Vale a pena ler um relato de uma jornalista da USP que estava lá:
http://tiporevista.com.br/desabafo-de-quem-tava-la-reintegracao-de-posse-por-shayene-metri/ .

Por isso que os alunos desejam segurança, mas não esta que está aí, que não serve a ninguém. Os estudantes têm consciência plena de que o problema da atuação da polícia militar não é um problema só deles. Por isso também existe, há tempos, uma proposta de segurança alternativa para o campus, a qual o reitor não deu ouvidos até agora.



A conformação autoritária da USP

No caso dos estudantes tratados como "criminosos" pela mídia, há que ver quantos desses crimes são imputações levadas a cabo dentro do contexto de luta política na USP. Há mais de 20 alunos e cerca de 5 funcionários do sindicato de trabalhadores da universidade, todos processados. Curiosamente, todos estavam em manifestações políticas.

Suely Vilela (antiga reitora) e João Grandino Rodas (atual reitor) têm se esforçado por tratar questões de caráter político dentro da USP como crimes comuns, o que é uma maneira de esvaziar as reivindicações dentro da universidade. Para isso, contam, entre outras coisas, com um Estatuto grandemente anti-democrático e um Regimento Disciplinar que data de 1972, legado da época da ditadura e ainda utilizado para coibir movimentos e protestos no campus. Dentro do Regimento, por exemplo, são processáveis infrações "à moral e aos bons costumes" (inciso IV, do artigo 250, no link a seguir: http://www.usp.br/leginf/rg/d52906.htm ). Muitos alunos têm sido "enquadrados" sob esta rubrica, herança militar, da qual a administração não se acanha em fazer uso.

Esse inciso, entre muitos outros, ainda é válido, constituindo apenas um aspecto da herança dos "anos de chumbo". Outro dispositivo pouco democrático é a constituição do Conselho Universitário, instância máxima que rege os grandes assuntos da universidade: da contratação de professores à criação de cursos, passando pela gestão do orçamento: http://www.usp.br/leginf/estatuto/estatuto.html#a15. Note-se que o presidente do Conselho é o próprio reitor.

No Conselho, dos cerca de 100 integrantes, cerca de 70% são professores titulares, uma minoria dentro da universidade. Como diz a jornalista Cristina Charão (na matéria "Conselho Universitário representa uma USP que não existe": http://www.adusp.org.br/revista/35/r35a02.pdf), "quando se toma o conjunto da comunidade USP, que reúne, em números redondos, 95 mil pessoas, têm-se um outro ângulo dessa distorção, pois os professores titulares equivalem a meros 0,87% desse universo".

Os alunos e os professores doutores, as duas maiores categorias dentro da universidade, são uma minoria no Conselho, o que é uma forma de assegurar os interesses de uma "velha guarda" que há tempos dá as cartas lá dentro. Não bastasse, as comissões (Legislação e Recursos; Orçamento e Patrimônio; Atividades Acadêmicas), importantes órgãos da administração, são compostas na imensa maioria pelos titulares, boa parte também diretores de unidade (ou seja, dependentes, administrativamente, das benesses da reitoria).

Em reportagem de Marina Pastore, do Jornal do Campus, de 2010, Neli Maria Wada, do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), afirma, sobre a reforma no plano de carreira dos professores: "Quem determina o momento de subir na carreira hoje é a reitoria". Sobre a concentração de poder, o professor Renato Janine Ribeiro diz que "esse assunto é o pior problema da nossa vida universitária, porque o sistema atual é concentrador e dá poder demais à reitoria: um opositor não encabeça a listra tríplice desde 1994".

A "lista tríplice", a qual se refere o professor, completa a estrutura autoritária. Isto porque a comunidade não elege diretamente seu reitor (ela apenas pode apontar uma lista tríplice, de onde o governador do Estado tira sua escolha). No caso, o reitor atual, João Rodas, sequer foi o mais votado, e a decisão do então governador José Serra desrespeitou frontalmente a deliberação da comunidade acadêmica. Então, pergunta: é possível reconhecer esse reitor, se não foi escolhido pela comunidade acadêmica, cuja vontade é ainda mais deformada por mecanismos internos pouco democráticos? E, se não o reconhecemos, como podemos reconhecer o convênio com a Polícia Militar, realizado sem consulta alguma? 

Os argumentos de "é a lei", nesse sentido, são profundamente anti-democráticos, dado que a lei não exprime a vontade legítima de boa parcela da universidade.


A face obscura do reitor Rodas

Alguns não sabem, mas João Grandino Rodas, além de receber o título - inédito a um reitor - de "Persona non grata", pela Faculdade São Francisco, da USP, por desserviços e perseguições políticas dentro do prédio, também é acusado pela mesma de  improbidade administrativa, por ter mudado, novamente de maneira autoritária, a biblioteca da faculdade para um local inadequado. A decisão, além de atrapalhar os estudos dos alunos, causou danos a um dos acervos mais antigos do país. Ana Paula Salviati, do Coletivo Outras Palavras, também lembra que:

"Rodas também é atualmente investigado pelo Ministério Público de São Paulo por haver contratado sem concurso público dois funcionários ligados ao gabinete da Reitoria, sendo um deles filho da ex-reitora Suely Vilela. Contra Rodas também pesam denúncias de mau uso do dinheiro público. E, por último mas não menos importante, Grandino recebeu a medalha de Mérito Marechal Castello Branco, concedido pela Associação Campineira de Oficiais da Reserva do Exército (R/2) do NPOR do 28° BIB. O Marechal que dá nome à honraria, não custa lembrar, foi o primeiro presidente do Estado de Exceção vivido no país a partir de 1964."
(http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2011/11/07/a-face-autoritaria-do-reitor-da-usp/)


Não bastasse, o mesmo sujeito, que integrou a Comissão de Mortos e Desaparecidos, entre 1995 e 2002, é apontado, num relatório recente da Secretaria de Direitos Humanos, como responsável por votar contra as vítimas da ditadura e como co-responsável pela absolvição de seus algozes: http://www.viomundo.com.br/denuncias/rodas-deu-uma-maozinha-aos-carrascos-de-zuzu-angel.html .



Informações que a mídia não passa

Outras passagens da vida de Rodas e da atuação da Polícia Militar na USP e em toda a cidade já estão sendo levantadas por comissões de estudantes, como parte das atividades de greve. Afinal, os alunos não estão parados. Ao contrário, estão mobilizados em assembleias, comissões e atividades as mais variadas pela construção de uma universidade verdadeiramente pública.

Entre os eixos políticos que esse movimento defende, estão:

1. Retirada de todos os processos movidos contra estudantes por motivos políticos!
2. Fora PM! Pelo fim do convênio da USP com a Secretaria de Segurança Pública.
3. Liberdade aos presos e nenhuma punição administrativa ou criminal!
Fora Rodas!
4. Outro projeto de segurança na USP! Que a reitoria se responsabilize por:

*Plano de iluminação no campus;
*Política preventiva de segurança;
*Abertura do campus à população para que tenhamos maior circulação de pessoas;
*Abertura de concurso público para outra guarda universitária, que tenha treinamento para prevenção dos problemas de segurança e com efetivo feminino para a segurança da mulher;
*Mais circulares;
*Circular até o Metrô Butantã.

Entre as bandeiras:

1. "10% do PIB para a educação pública já!"
2. "Fora PM violenta de toda a Sociedade" – divulgação desta bandeira na grande mídia;



Algum grande veículo de comunicação divulgou isso? Pouquíssimos. Faz semanas que os alunos gritam essas reivindicações aos quatro ventos... E nada! A mídia não quer saber de discutir esse pontos. As pessoas, mal informadas, tomam posições que favorecem a postura mais fechada diante da universidade, que pouco faz pelo acesso da população à maior universidade da América Latina. Assumem, assim, o lado elitista da luta, muitas vezes sem o saber. Como o debate sério não pode ser realizado sem o prejuízo de que isso venha à tona, os conservadores atacam dessa forma: colocando a foto de um estudante, acompanhada dos processos judiciais, sem contexto algum. É a maneira mais eficaz - e cínica - de baratear todo o problema e obscurecê-lo.

É um engano!
Muitos estão sendo literalmente ludibriados sobre o que acontece na USP.

Esse é um dos motivos pelos quais o movimento grevista tem defendido, como método de votação, o formato de Assembleia. É do entendimento desses estudantes que esse é o único meio de garantir três fatores centrais para a democracia no campus: informação (quando são dados os primeiros informes), formação (feita durante os debates que seguem) e, enfim, deliberação às claras (quando todos votam, perante seus pares, informados e fundamentados). Pois bem, muitos cursos não têm feito isso, e suas votações ocorrem em urnas ou, inclusive, pela internet. Isso permite que muitos alunos, completamente mal informados pela grande mídia e pelos mais diversos ambientes onde a cultura política é quase nula, votem despreparados. Não à toa, os que têm realizado esse tipo de votação são cursos que não pararam, como a Medicina e a Engenharia. Também não por coincidência, são faculdades extremamente elitizadas, assistidas, de maneira geral, por estudantes oriundos de extrato social mais elevado.

Sobre a representatividade, atualmente, pelo menos treze cursos estão em greve no campus Butantã. Em números, isto equivale a cerca de 21 mil estudantes (quase metade do campus). Outros, como a Engenharia Aeronáutica, do campus de São Carlos, também declararam greve. Na quarta-feira, 16 de novembro, numa decisão significativa, os pesquisadores e alunos da pós-graduação (mestrandos e doutorandos) decidiram, em Assembleia Geral, decretar greve em apoio ao movimento. Informações seguras estão no site do Diretório Central do Estudantes: http://www.dceusp.org.br/ . Também vale a pena ler um resumo, feito por alunos da ECA, a respeito do contexto da universidade. A UOL republicou em http://noticias.uol.com.br/educacao/2011/11/10/nota-do-facebook-esclarecendo-o-caso-usp-pra-quem-ve-de-fora.jhtm .

É preciso circular essas informações, para que as pessoas se informem corretamente a respeito do que está acontecendo na Universidade de São Paulo, patrimônio de todos. A democracia só é feita pela união das pessoas e a cada hora.