Pesquisar este blog

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

XII da Rede Brasileira de Teatro de Rua - de 28/02 a 03/03 Taguatinga -Brasília -DF

XII Encontro da rede Brasileira de teatro de Rua - Taguatinga - DF
de 28/02 a 03 de/03

Criada em março de 2007, em Salvador – BA, a Rede Brasileira de Teatro de Rua – RBTR é um espaço de articulação física e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Tem na rede virtual sua maior fonte de articulação e conta também com os encontros presenciais onde são retiradas as suas deliberações e metas de ação.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

MST e o Teatro 2

MST e o Teatro 2) experiências pedagógicas

http://passapalavra.info/wp-content/themes/church_20/images/icon_time.gif);

background-color: rgb(255, 255, 255); margin: 0px 0px 0px 3px; padding: 0px 0px 0px 20px; background-position: 0% 0%; background-repeat: no-repeat no-repeat;">1 de novembro de 2012   
É sobretudo nas territorialidades construídas pelos movimentos sociais que o teatro pode ser um eficaz instrumento de lucidez, que auxilie na promoção de uma cultura de resistência. Por Alex Hilsenbeck Filho
experimentais
"Necessitamos de um teatro que não nos propicie somente as sensações, as ideias e os impulsos que são permitidos pelo respectivo contexto histórico das relações humanas (o contexto em que as realizações se realizam) mas sim, que empregue e suscite pensamentos e sentimentos que desempenhem um papel na modificação desse contexto". Bertolt Brecht
As marchas e encontros têm se constituído como grandes catalizadores e difusores das potencialidades do movimento em utilizar as mais variadas artes.
Na Marcha Nacional pela Reforma Agrária, realizada em maio de 2005, de Goiânia a Brasília, por mais de doze mil trabalhadores rurais sem terra, foram apresentadas dezoito peças em dezoito dias pela Brigada Nacional Patativa do Assaré. Inclusive, eles inovaram ao adaptarem a peça Exploração do Trabalho [4] para uma versão de rádio-teatro, encenada ao vivo em cima de um caminhão de som e que, simultaneamente, era transmitida para os marchantes, que a escutavam em rádios à pilha (mais de nove mil) distribuídos pelo movimento.
Em outra marcha, realizada de Campinas a São Paulo em agosto de 2009, diversos artistas andaram ao lado dos sem terra, e realizaram uma "recepção cultural" quando a marcha adentrou na capital paulista, fazendo com que os próprios marchantes não apenas se tornassem espectadores da intervenção artística, mas participassem desta, na medida em que ela foi realizada também na forma de marcha, concretizando uma interessante comoção nas mais de 1.500 de pessoas que há 5 dias estavam andando cerca de 100 km, fortalecendo ânimos e disposições.
O contato e a experiência de trabalho conjunto nesta marcha, entre os coletivos e o MST do estado de São Paulo, foi importante em mais de um aspecto, pois auxiliou no processo de subverter a tendência à individualização dos grupos de teatro imposta pelo mercado das artes. Para Luciano, do Dolores, esta experiência também significou um avanço para os grupos teatrais e para o movimento. "O experimento foi bastante positivo com ressalvas sobre a precariedade estética do que alcançamos". A partir de então avançaram mais decisivamente para treinamentos artísticos contínuos, que conseguissem ultrapassar a barreira da individualização dos coletivos, no sentido de formas de relação de trabalho teatral menos alienadas, portanto, igualitárias e coletivizadas.
Alguns outros desdobramentos concretos surgidos daí foram, por exemplo: a inter-relação com a Unidos da Lona Preta (sendo que alguns dos integrantes desta escola de samba do MST também participam dos grupos teatrais) [5]; o trabalho de construção de um barracão coletivo no assentamento Irmã Alberta (SP), que tem por intuito ser uma experiência de produção de alimentos orgânicos e pode, também, constituir-se como espaço de ensaios para os grupos, com a possibilidade de envolvimento dos assentados em práticas artísticas; a iniciativa de utilizar o teatro como material de agitação e propaganda em ocupações, tanto interna como externamente. Neste último caso, como forma de contato e intervenção direta com a população local, como ocorreu, por exemplo, na ocupação de uma fazenda em Serrana-SP no início de 2011, buscando sensibilizar as pessoas para a ação que foi desenvolvida pelo movimento. O interessante, neste último caso, foi que estiveram presentes quatro companhias teatrais, sendo que muitas das pessoas já haviam se envolvido em um ou outro momento com o MST, apresentando peças, participando de formações, mas foi a primeira vez, para muitas delas, que participaram de uma ocupação direta de terras, o que se repetiu, por exemplo, na ocupação em Itapetininga, em abril de 2011, com intervenções numa feira na cidade.
Para Marco Fernandes, militante do MST, a partir destas experiências, apresenta-se "uma interessante novidade no capítulo do 'AgitProp' do movimento, na medida em que representa um acúmulo na relação do MST com os grupos teatrais paulistanos e, ao mesmo tempo, inaugura uma prática (essa "propaganda" da ocupação no local mesmo onde ela é feita)". Mas é importante ressaltar que estas experiências e contatos não devem ser interpretadas exclusivamente, muito menos reduzidas, a formas de AgitProp [6]. Esse tipo de teatro chegou a ser bastante criticado por não trabalhar a estética na apresentação, preocupando-se apenas com o conteúdo político. Ele tem suas raízes no teatro barroco jesuítico, o auto sacramental espanhol e português, ainda que tenha sido caracterizado pela sua utilização e difusão na URSS e na Alemanha "comunista". São vários os fatos sucedidos em diferentes momentos e países em que sobrevieram perseguições aos grupos teatrais e artísticos por parte dos revolucionários no poder estatal [7], o que leva alguns teóricos e militantes, como João Bernardo, a sustentar, não sem certa razão, que "[…] a extrema-esquerda padece de uma indiferença à arte quando está fora do poder — porque quando obtém alguma influência sobre os acontecimentos logo descobre que os artistas são os piores inimigos se não forem úteis propagandistas". Ainda assim, o teatro de agitação e propaganda, durante a primeira década da revolução russa, significou uma subversão das formas tradicionais e uma radicalização dos procedimentos de vanguarda, com vistas a gerar um produto cultural próprio, socializando o processo do fazer artístico, ao ponto do espectador também participar crítica e ativamente das etapas de montagem das peças. Foi também uma forma eficaz de abranger o maior número de pessoas no menor espaço de tempo possível. Contudo, assim como ocorreu nas mais distintas esferas, o processo de burocratização da revolução atingiu também o campo cultural, instrumentalizando-o, restringindo liberdades e fazendo com que os grupos perdessem autonomia e fossem submetidos diretamente à direção do Partido.
Contudo, pode ser que estejamos avançando para uma situação na qual a esquerda e os artistas (de esquerda) "Talvez […] hajam compreendido que o discurso político mais exato e mais "ardoroso" não poderia convencer, num palco ou numa praça pública, se os atores não levassem em conta a dimensão estética e formal do texto e de sua apresentação cênica".
Esta capacidade de realizar ações comunicativas por meio de atividades culturais não deveria ser negligenciada pelos movimentos sociais, e o MST, por exemplo, apenas no Mato Grosso do Sul (um dos estados com o maior número de grupos teatrais do movimento), possui mais de trezentos militantes engajados nesse tipo de atividade, o que lhes permite, em pouco tempo, percorrer dezenas de cidades do estado apresentando poesias, músicas, teatro, atividades seguidas de debates em escolas, igrejas, praças, sindicatos. E isto não é pouca coisa.
E, como reconhece Rafael Villa Bôas, com os debates que geralmente ocorrem após as apresentações, consegue-se criar um espaço tímido – em termos de raio de abrangência se comparado a outras formas de tecnologias da comunicação – mas profundo de contra-hegemonia, em decorrência da proximidade e da viabilidade do diálogo. Para Maria, isto permite uma ponte de diálogo com alguns setores da sociedade, tanto rurais como urbanos, seja com uma audiência específica de teatro ou com pessoas que assistem pela primeira vez a uma apresentação teatral, o que permite a discussão de ampla gama de questões. Conforme avaliação da própria Brigada Patativa do Assaré, determinado conjunto de fatores lhes confere sustentação e pode levar adiante as suas experiências, tais como:
"- a inserção orgânica da iniciativa como parte da estratégia de formação política e massificação de um movimento social de abrangência nacional;
- a complexa estrutura organizativa do MST e do processo de formação, por meio da lógica setorial, permite que a linguagem teatral se desenvolva de forma plural, de acordo com as diversas funções que ele [o teatro] desempenha;
- o crescente processo colaborativo com grupos de teatro político do meio urbano […]"
De todo modo, nos interessa agora sublinhar que este processo de aproximação do MST com grupos teatrais e o próprio desenvolvimento desta arte no movimento não se resume ao modelo de propaganda e difusão de perspectivas e ideais, ainda que este possa se constituir como um aspecto importante. O teatro aparece tanto como veículo de ideias, instrumento de aglutinação em torno de um espaço próprio de politização e conscientização, como também espaço de fruição estética, de lazer e convivência da base social dos movimentos, destacando, assim, sua potencialidade enquanto modo de trabalhar e dirimir conflitos.
Visceralmente
[…]
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera.
E são também
Exemplos de arte
Bertolt Brecht
A encenação pode ser pensada não apenas como ponto de chegada, mas como ponto de partida para uma perspectiva crítica quanto à naturalidade das coisas; como uma potente possibilidade de formação pedagógica, tanto externa, quanto interna – e talvez este aspecto seja mais relevante no momento – aos movimentos sociais, dada a sua capacidade de fertilizar a imaginação, de construir perspectivas de reflexão.
O processo de construção das peças dentro do movimento geralmente é realizado coletivamente e, por isso, traz consigo implicações não apenas artísticas, mas também políticas e sociais, inclusive no âmbito da subjetividade de seus membros.
"E é impressionante a receptividade [do teatro para os sem terra]. Toda a camponesada gosta de teatro e música. Nas vezes que vocês [da Companhia do Latão] atuaram em encontros do movimento, a peça acabou se tornando mais importante do que os temas de discussão. Cada um se projetou dentro da história […] O sentimento dentro da militância é de que a arte é uma das formas pedagógicas mais importantes para conscientizar, tomar conhecimento das coisas, que possibilita uma educação sem manipulação, de uma maneira alegre".
Esta função interna político-pedagógica do teatro no movimento também é ressaltada por Rafael:
O Teatro do Oprimido vem demonstrando sua capacidade de identificar problemas de opressão e discriminação os quais as comunidades acampadas e assentadas encontram dificuldade para discutir em reuniões e assembleias, como é o caso das peças construídas com os temas do racismo, do machismo, da violência doméstica, da discriminação dos sem terrinha nas escolas da cidade, e o preconceito em torno da educação sexual.
Deste modo, experiências de contato com grupos de companheiros militantes, de fora das fronteiras dos assentamentos e ocupações, podem auxiliar no processo de oxigenação das perspectivas e no desenvolvimento de maneiras criativas de abordar problemas, mais ou menos manifestos, às vezes subentendidos, de convivência social.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com o contato entre o grupo Teatro de Narradores de São Paulo com militantes da Brigada Patativa do Assaré do Distrito Federal e do Mato Grosso do Sul. Através da socialização de procedimentos do teatro épico e de exercícios baseados em obras de Brecht, um dos acampados do MST começou a escrever uma comédia política em forma de fábula,
[…] narrada por um habitante, supostamente bêbado, da pequena cidade, dominada pelo Rei Traquinos Trapos e pela Rainha Fala Trapos, que mantinham em seu domínio, na base do medo, todo o conselho. O contato com a experiência teatral de Brecht proporcionou condições para que o militante construísse uma metáfora sobre as relações arbitrárias de poder que haviam se estabelecido no acampamento, a revelia da organicidade do movimento. A fábula foi uma providência de proteção, pois a abordagem indireta do assunto permitiu que aflorasse a discussão sobre o problema, até então sentido mas velado, e colaborou para a resolução posterior do mesmo. Esse é um dos exemplos latentes que ilustram o poder que o teatro pode ter, como nexo entre as esferas da cultura e da política, numa organização de massas como o MST.
De igual maneira, o contato e a troca de experiências entre um grupo de teatro do MST no Rio Grande do Sul teve como uma de suas consequências o desenvolvimento da capacidade crítica e criativa de seus membros, assentados na faixa etária de 12 a 32 anos. Por meio de um texto de autoria coletiva, baseado em diversas técnicas de aprendizagem teatral e pesquisa da realidade cotidiana do assentamento, resultou a apresentação de uma peça, para a própria comunidade, em que eram abordadas as expectativas de vida dos assentados, problemas e angústias enfrentadas, a partir de temas como o desespero de um pai à procura da filha que estaria indo para a prostituição, de um jovem que tem que sobreviver como ambulante na cidade, e a proximidade das drogas. Na peça, em que são incorporados elementos carnavalescos do teatro popular, discutem-se alternativas a uma vida embrutecedora.
Conforme Maria, não há somente uma única razão para a construção de grupos de teatro em territórios do MST, cada grupo se cria de maneira diferente, mas quase todos têm em comum a necessidade de abertura do espaço de discussão e reflexão que consiga ir além (e se somar com) o espaço da assembleia e/ou reuniões políticas e organizativas. Por exemplo, "O Teatro Fórum em um momento foi crucial para realizar certos tipos de debate e fazer com que as pessoas participassem", assinalando que o teatro tem a possibilidade de abrir outros canais internos para o debate.
Neste sentido, a utilização do teatro, por grupos enraizados em comunidades camponesas – e não apenas nelas – permite representações simbólicas de suas experiências e identidades, desenvolvendo e problematizando questões que influenciem no cotidiano das comunidades, que denunciem as distintas violências no mundo rural, mas sem negar as suas potencialidades [8].
Não obstante, é certo que nas sociedades contemporâneas o teatro possui uma linguagem exclusiva, com um público limitado, e ainda temos que levar em conta a observação de Iná Camargo Costa de não alimentar ilusões neste campo, pois a grande maioria dos integrantes dos grupos teatrais nem mesmo é anticapitalista, e não possui um horizonte politicamente mais ambicioso. Mas, ao mesmo tempo, nos parece que o teatro encontra uma significação política especial ao ser adotado pelos movimentos como recurso social. Talvez, este fato seja mais visível em comunidades e localidades que possuem uma relativa carência estética e material em comparação aos centros urbanos e espaços mais desenvolvidos e consolidados do capital, em que a indústria da produção da consciência se faça mais visivelmente presente e sedutora [9]. Porém, inclusive nestes a demarcação entre centro e periferia se reproduz, havendo centros dentro de periferias e vice-versa. E é sobretudo nestas diversas periferias, como em ocupações (rurais e urbanas), em assentamentos, nas territorialidades construídas pelos movimentos sociais que o teatro pode ser um eficaz instrumento de lucidez, que auxilie na promoção de uma cultura de resistência, que desenvolva manifestações culturais que não sejam mera reprodução de uma massificação engendrada pela indústria cultural, sem qualquer propósito crítico. Enfim, para que seja um auxiliar no processo de reconstrução da identidade e do tecido social da resistência. Para que consiga assim, quem sabe, ir para além do jargão do pensamento único e avançar no processo de romper os padrões éticos, estéticos e políticos dominantes, podendo incluir no cotidiano da(s) classe(s) trabalhadora(s) o aspecto do belo, que eleve a sua percepção e o seu nível de consciência, que renove os seus sentidos, que construa novas redes de solidariedade e de resistência.
Dado os descaminhos e as encruzilhadas em que se encontra a esquerda, qual direção o renascimento do teatro político estaria apontando? Quais lições, de limites e superações, de formas de sociabilidades antisistêmicas e relações de base, essas experiências artísticas que ocorrem na órbita dos movimentos sociais, como o MST, estaria acumulando? O que nos dizem estas produções culturais sobre os atuais rumos políticos? Os movimentos teriam alguma fala nesta peça? E quais os dilemas e obstáculos enfrentados pelos artistas?
Feitas estas considerações, não queremos com isso sugerir que o teatro seja a solução para os problemas de sociabilidades internas nos territórios dos movimentos ou forma, por excelência, de divulgação de seus ideários e concepções e que, ao mesmo tempo, sirva como a crítica capaz de desanuviar a ideologia capitalista. Pode ser também tudo isso, em uma escala infinitamente inferior, como parte de um processo mais amplo de transformação social, como as incipientes (e frágeis) experiências do MST vêm demonstrando, ao atentar para demandas simbólicas e imateriais, como a fruição do belo e da cultura, fazendo com que a produção estética, ao contrapor-se aos espaços-tempo do capital, construa espaços e sociabilidades de porvir, antagônicas às dominantes. Por outro lado, negar as potencialidades que se apresentam aos movimentos sociais de esquerda com o uso do teatro não seria relegar o papel da arte a uma irrelevância sem igual; ao contrário, seria negar e colocar na irrelevância o papel desta esquerda no projeto mais amplo de emancipação humana.
Notas:
As ilustrações são de Piet Mondrian.
[4] Esta peça de teatro épico foi originalmente construída de forma coletiva pela Brigada Estadual de Cultura Filhos da Terra do MST-MS, durante oficina realizada pelo Teatro de Narradores (SP) em outubro de 2004 em MS. Ela tematiza a dinâmica de exploração do trabalho explicitando o cinismo dos argumentos de classe dos empresários. Posteriormente, a Brigada de AgitProp Semeadores, do MST-DF, em dezembro de 2004, irá adaptar a peça Exploração do Trabalho, valendo-se do mesmo propósito de explicitar o cinismo dos discursos das classes dominantes, mas, desta vez, contrapondo os argumentos de legitimidade social dos latifundiários brasileiros e indagando a história oficial brasileira da questão agrária.
[5] A Unidos da Lona Preta é a Escola de Samba do MST na região da Grande São Paulo, mais especificamente na cidade de Jandira, na primeira experiência de comuna urbana do movimento. O objetivo da Unidos da Lona Preta, fundada em 2005 e que há três anos desfila nas imediações de sua sede na Comuna Urbana Dom Hélder Câmara, é realizar um processo de afirmação política por meio da mescla de elementos culturais e urbanos, desenvolvendo uma identidade coletiva e também uma arte politizada. Ver, por exemplo, aqui e aqui.
[6] "A agitação e propaganda é um conjunto de métodos e formas que podem ser utilizados como tática de agitação, denúncia e fomento à indignação das classes populares e foi criada pelos revolucionários russos para designar as diversas formas de fazer agitação de massas e ao mesmo tempo divulgar os projetos políticos da revolução.". (Brigada, 2006: 21). Ainda assim, parece fato que as técnicas de Agitprop da esquerda atualmente são esteticamente pobres e pouco criativas, sendo incapazes de atrair amplamente os trabalhadores na sociedade do espetáculo.
[7] É notório que a esquerda, não poucas vezes, pautou a sua relação com os artistas como se fossem meros instrumentos de agitação e propaganda. Na Nicarágua, conhecemos um diretor teatral que fez parte de um coletivo de teatro que percorria as montanhas e regiões rurais do país teatralizando os motivos da revolução, inclusive em zonas de contra-insurgência. Eles fizeram este trabalho sem ter um único atrito com os contra-revolucionários, pois respeitavam o prazo limite de passar apenas um dia em cada comunidade rural. Os problemas eles passaram a ter quando começaram a denunciar também os abusos do governo revolucionário já no poder. Abusos como quatrocentos camponeses amarrados, pelos sandinistas, em sacos por quatro dias. Ou quando estes ameaçaram bombardear um povoado, porque os contra-revolucionários haviam queimado uma caminhonete sandinista (ver aqui). Sobre a relação de certa esquerda no poder com os artistas, indico a leitura de artigo de Manuela de Freitas, que aborda as campanhas de dinamização cultural nos anos 1974-75 em Portugal (ver aqui).
[8] Abordamos este tema no breve ensaio, mencionado acima, ao relatar a experiência de uma comuna de teatro rural na Nicarágua, que utiliza o teatro como uma ferramenta de socialização e sensibilização sócio-política a partir de um corte popular e classista, tendo por proposta estética a realidade rural e seu imaginário.
[9] "Em uma Rússia marcadamente analfabeta, apenas parcialmente eletrificada e em crise de materiais como papel, as formas alternativas de comunicação e informação devem surgir com a mesma urgência com que se impõe a necessidade de uma vitória definitiva das forças que tomaram o poder" (Garcia, 1990: 5).
Este texto, MST e o teatro, está dividido em duas partes:
1) Potencialidades políticas
2) Experiências pedagógicas
Referências:
ARANTES, Paulo (2004). Documentos de cultura, documentos de barbárie – O sujeito oculto de um manifesto. In: Zero à esquerda. São Paulo: Cortez, p. 221-235.
AYER, Maurício (s/d). Um ator não é apenas um repetidor de falas.
BERNARDO, João (2010). Portugal não existe.
BRIGADA, Patativa do Assaré (2006). In: Coletivo Nacional de Cultura – Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré. Teatro e transformação social. Vol. 1 (Teatro Fórum e AgitProp) (2006a); Vol. 2 (Teatro Épico) (2006b).
CEPATEC/FNC/MINC. (s/d). Contra a mercantilização a dinâmica da produção teatral do MST. Caderno de Ensaios. Teatro de Narradores.
CARVALHO, Sérgio de (2008). A contribuição do teatro para a luta de classes: a experiência da Companhia do Latão – Entrevista realizada por Iná Camargo Costa. Crítica Marxista, n. 26.
CEVASCO, Maria Elisa (2012). Para que serve o teatro político? In: Teatro e vida pública – O fomento e os coletivos teatrais de São Paulo. Hucitec: São Paulo.
COSTA Iná Camargo (2012). Teatro na luta de classes. In: Nem uma lágrima – teatro épico em perspectiva dialética. Expressão Popular: São Paulo.
(2010). Rumos Radicais (entrevista); A hora do Teatro Épico (debate). Traulito, n. 3.
(2009). Crescemos Somente na Ousadia. Vídeo-documentário em homenagem aos 25 anos do MST.
(2007). Ações contra-hegemônicas exemplares (prefácio). In: Coletivo Nacional de Cultura – Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré. Teatro e transformação social. Vol. 1 (Teatro Fórum e AgitProp); Vol. 2 (Teatro Épico). CEPATEC/FNC/MINC.
ELIAS, Norbert (1994). O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar. v.1-2.
__ (2001). A sociedade de corte. Rio de Janeiro: Zahar.
FERNANDES, Marco (2011). Troca de correspondência via correio eletrônico com o autor.
FREITAS, Manuela de (2009). As Campanhas de Dinamização Cultural (1974-45).
GARCIA, Silvana (1990). Teatro de Militância. São Paulo: Perspectiva, Edusp.
HILSENBECK FILHO, Alexander (2011). Comuna de teatro rural na Nicarágua.
JOSÉ MÁRIO BRANCO (2010). A oficina da canção IV – O sofisma da oposição entre forma e conteúdo.
MCNEE, Malcom (2001). As artes performáticas no MST: o poder simbólico dos corpos em movimento. (Tradução de Else R. P. Vieira).
PAVIS, Patrice (2005). Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectivas.
RÓTULO, Guilherme; NOGUEIRA, Márcia (2007). Práticas teatrais no MST – Projeto de pesquisa Banco de Dados em Teatro para o Desenvolvimento de Comunidades. CEART/UDESC.
ROVIDA, Renan (2010). Traulito, n. 3.
SAFATLE, Vladimir (2012). A perda da hegemonia.
SILVA, Maria (2011). Entrevista realizada na cidade de São Paulo.
SCHWARZ, Roberto (1978). Cultura e Política, 1964-1969. In: O Pai da família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
STÉDILE, João Pedro (2009). In: CARVALHO, Sérgio de. Atuação Crítica – entrevistas da Vintém e outras conversas. São Paulo: Expressão Popular.
TIARAJÚ (2009). Unidos da Lona Preta: batucada do povo brasileiro.
VILLAS BÔAS, Rafael (2006). Sem Terra identificam suas lutas em experiências teatrais do MST.
Outro site consultado: Centro de Teatro do Oprimido.



domingo, 24 de fevereiro de 2013

Ponto de Cultura em Presidente Prudente: uma breve análise glocal

Ponto de Cultura em Presidente Prudente: uma breve análise glocal de empoderamento e protagonismo cultural

Visitem
http://noticiasculturaispresidenteprudente.blogspot.com.br/

Os Pontos de Cultura surgiram como estímulo às iniciativas culturais já existentes da sociedade civil, por meio da realização de convênios celebrados após a realização de chamada pública.

No período de 2004 até 2011, o Programa Cultura Viva apoiou a implementação de 3.670 Pontos de Cultura, presentes em todos os estados do Brasil, alcançando cerca de mil municípios. No Estado de São Paulo são 526 Pontos de Cultura.

Entre 2004 e 2012, isso representa mais de 600 milhões de reais revertido grupos culturais de base que jamais tiveram acesso a qualquer verba pública, diretamente posta, autonomamente administrada e localmente compromissada.   Isso representa um investimento significativo que jamais destinado à cultura popular, associações culturais, sociais, religiosas, políticas, de classe e ambientais.

No sentido de dimensionar esses recursos, o orçamento anual de Presidente Prudente (200 mil habitantes) está na casa dos 300 milhões por ano, quer dizer que com o dobro do recurso anual desta cidade, o Governo Federal implementou uma política pública para a cultura mais ousada e frutífera em seu segmento.

No Estado de São Paulo são 301 Ponto de Cultura do Edital MinC-SEC/SP (2010-2013). Sendo que o MinC reverteu para essa política uma valor de R$36.120.000,00 em três anos. Este é outro dado fundamental, porque a reboque o Estado de São Paulo se viu obrigado a entrar na política pública para a cultura encabeçada pelo Governo Federal com R$18.060.000,00.

Se o Governo do Estado de São Paulo não entrasse neste pacote, poderia ocorrer o maior saque político contra o Governo do PSDB, que não teria como respostar o impacto dessa oportunidade. E para que isso acontecesse, ocorreram muitas negociações até firmar o convênio que foi renovado no final de 2012.

Há portanto, desses 301 Pontos de Cultura do Estado de São Paulo e do Brasil, os que foram fundamentais para algumas prefeituras, tal como Narandiba, que jamais tinha recebido verbas federais do MinC e que passou a ter um Ponto de Cultura, revolucionando a estrutura de pensamento local, não pelo feito político, mas pela atenção econômica e regular por três anos realizada. O mesmo pode se estender a Pirapozinho, Rosana, Paraguaçu Paulista, Assis, Oscar Bressane para citar alguns exemplos. 

Há casos dentre esses que a única forma de levar o projeto a frente foi atrelado ao poder local. Não estendendo essa breve avaliação, mas citando o tamanho impacto dessa reversão de recursos para a cultura em escala nacional, citarei apenas alguns outros editais que povoaram o Brasil, tais como os editais e prêmios: Pontões de Cultura, Cultura e Saúde, Pontinho de Cultura, Pontinhos de leitura, Pontos Digitais, Mirian Muniz, todos FUNARTES, isso, sem elencar os específicos para a cultura negra, populares, indígenas, PAC das Praças que surgiram em todas as áreas e vertentes.

Em Presidente Prudente há dois Pontos de Cultura. O Ponto de Cultura Prudente em Cena  ligado aos movimentos por autonomia, que se exige ser um ator da política cultural local e outro que busca efetivar seu projeto na música. O MinC e SEC/SP investiram em três anos R$360.000,00 em Presidente Prudente. Notadamente, a imprensa, políticos, partidos, atores e agentes culturais pouco ou nada entenderam sobre o impacto desses recursos e o que ele provocou silenciosamente.     

Todavia, agora parece ter surgido aos olhos do poder local um interesse nesses efeitos, pois informalmente anunciou que deseja implantar 6 ponto de cultura em Presidente Prudente. E ainda que o poder executivo local editais viciados, será uma aprovação a uma política efetiva implantada pelo Governo Federal liderado pelo PT.

Com todos os defeitos e deturpações próprias do Brasil, esse projeto cultural implementado no país é um exemplo para os Governos Estaduais e Municipais e para outros países, que no contexto atual e futuro permanecerá por muitos anos como sendo o projeto mais ambicioso do mundo em que se classifique pelos critérios de: quantidade, qualidade, adequação, empoderamento, garantia à diversidade, acessibilidade, capacitação, distribuição e descentralização de verbas e forte tendência ao protagonismo político ou sua potencialidade de autonomia dos seus executores.

Nem todos querem ou conquistam a autonomia, mas a história desse projeto cultural está marcado no mundo, onde Argentina e África já estão implantando a mesma proposta e em maio de 2013 irá acontecer um seminário Latino Americano em La Paz para discutir essas políticas nesses países.

Nas metas do Plano Nacional de Cultura há o objetivo de implantar 15 mil pontos de cultura no Brasil. A ministra Marta Suplicy disse em reuniões que isso era inexequível no período indicado.

Que seja 6.000 ou menos ainda é um exemplo inestimável para a história da cultura nacional e mundial.

Maiores informações: http://www.cultura.gov.br/culturaviva/secretaria/scdc-em-numeros/
   

Antonio Sobreira

Veja o vídeo Teatro e MST: http://vimeo.com/23723104


sábado, 23 de fevereiro de 2013

MST e o Teatro

MST e o teatro 1) potencialidades políticas

http://passapalavra.info/wp-content/themes/church_20/images/icon_time.gif); background-color: rgb(255, 255, 255); margin: 0px 0px 0px 3px; padding: 0px 0px 0px 20px; background-position: 0% 0%; background-repeat: no-repeat no-repeat;">25 de outubro de 2012   

O potencial do teatro no que se refere à formação de consciência e reflexão crítica não se dá simplesmente por apresentar conteúdo político ou por ser expresso por um movimento político. Por Alex Hilsenbeck Filho*







O teatro pode ser uma arma de libertação.
Para isso é necessário criar as formas teatrais correspondentes.
Augusto Boal

Como manifestação estética espontânea, o teatro – assim como outras formas de expressão da cultura popular – é parte constituinte do MST praticamente desde a sua formação. "Buscamos descobrir formas de estimular a nossa base social a produzir e desenvolver nos grupos todas as formas de manifestação cultural" (Stédile).

Porém, a frente teatral irá ganhar força e se constituir como uma experiência de luta de forma mais organizada a partir de 2000, através de uma primeira parceria do Coletivo de Cultura do MST com o Centro do Teatro do Oprimido (CTO), dirigido, então, por Augusto Boal, com um curso exclusivo de capacitação de Multiplicadores de Teatro do Oprimido. Desta primeira parceria, resultou um projeto mais ambicioso, por causa da necessidade percebida de construir uma identidade coletiva para os grupos teatrais já existentes no movimento. Seguiram-se, então, mais cinco etapas de formação – de 2001 a 2002 – entre o CTO e grupos de militantes de vários estados do país que, por sua vez, formariam novos multiplicadores e novos grupos nos acampamentos e assentamentos. Iniciou-se, assim, a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré. ConformeRafael Villas Bôas, integrante do Coletivo de Cultura do MST,

"Atualmente nós temos cerca de 30 grupos organizados em acampamentos e assentamentos da Reforma Agrária. A maioria dos grupos atua em dimensão local, participando de atividades culturais, formativas e políticas em suas áreas e cidades vizinhas. Há também alguns grupos que, por terem mais tempo de vida e experiência, atuam em dimensão regional e nacional, se apresentando e ministrando oficinas em cursos de formação, em debates, seminários e eventos culturais nos meios urbanos e rurais […] Além disso, alguns grupos profissionais se apresentam há mais de uma década em atividades do Movimento, e isso contribui para despertar o interesse pelo teatro e o entendimento de que a linguagem teatral desempenha um papel de formação de consciência e reflexão crítica: muitos dos atuais integrantes dos grupos do MST foram público interessado dos grupos profissionais que se apresentam para o Movimento.".

Obviamente, cada grupo de teatro do MST tem sua origem e suas próprias motivações. Como nos disse Maria Silva:

"O grupo Filho da Mãe… Terra vem em paralelo ao trabalho que a Brigada estava realizando com o CTO. Como se desprende da necessidade de uma organização dos jovens do assentamento, não tem inicialmente as mesmas perspectivas que a Brigada em seu conjunto. Apenas mais tarde, quando começa a apresentar os trabalhos e a discutir mais a fundo uma série de coisas sobre o teatro é que o grupo forma parte da Brigada. OFilhos da Mãe… Terra nasce diretamente, inclusive sem saber o que isto significava, trabalhando com as técnicas do teatro épico. Isto ocorreu através do trabalho de um antigo membro da Cia do Latão que, por sua vez, tem em seus temas centrais o teatro épico de Bertolt Brecht".

No entanto, este potencial do teatro no que se refere à formação de consciência e reflexão crítica não se dá simplesmente por apresentar conteúdo político ou por ser expresso por um movimento político. Como nos recorda Roberto Schwarz – ao tratar dos problemas decorrentes da hegemonia cultural do Partido Comunista – a ruptura política não constitui, enquanto tal, uma ruptura estética, há que se refletir sobre os processos estéticos para que ocorram rupturas estéticas. O sofisma de não unidade entre forma e conteúdo adquire relevância, pois, "[…] muita gente, para justificar uma visão idealista e utilitarista da arte, pretende que há uma diferença de natureza entre a forma e o conteúdo. São como os revolucionários para quem a revolução é um lindo projecto, e não aquilo que se faz – ou não se faz – um pouco todos os dias". José Mário Branco, em artigo publicado no Passa Palavra, chama ainda a atenção para o fato de que, se por um lado o formalismo pós-modernista desvaloriza o conteúdo, traduzindo, assim, a fragmentação e atomização da vida social, o que, à primeira vista, poderia parecer o seu oposto – o "conteudismo" supostamente revolucionário – acaba por identificar-se com o próprio pós-modernismo, ao sublinhar a prevalência do conteúdo sobre a forma.

A dominação da sociedade burguesa garante sua hegemonia também pela forma de representação da realidade, que sustenta determinados valores, como a concorrência e o individualismo, tendo por fundamento a propriedade privada dos meios de produção e a exploração do trabalho.

Indo numa perspectiva antagônica à concentração privada dos meios de produção artísticos, conforme um integrante do Engenho Teatral:

"No nosso caso, o dos grupos, o que você tem é uma discussão coletiva em que os envolvidos decidem o que fazer. A obra surge da relação dessas pessoas e não 'as pessoas são juntadas para construir a obra'. Esse processo é longo, às vezes leva dois anos para ser concluído, pois implica muitas relações de estudo, de pesquisa, em que o controle do próprio trabalho e do espaço são fundamentais. E é isso que a gente chama de controlar os meios de produção".

Neste sentido, para Iná Camargo Costa, "Uma coisa não vai sem a outra: o cultivo dos valores hegemônicos depende do combate permanente aos valores do adversário de classe […] O combate à ideologia dominante, por isso mesmo, faz parte dos nossos processos de luta contra a dominação".

Portanto, para que ocorra uma refuncionalização política do teatro, que vá além de mera condição de espetáculo, que questione a fragmentação e mercantilização do mundo contemporâneo, devem ser criadas formas próprias de fazer arte, que estejam de acordo com a proposta almejada, sendo preciso que forma e conteúdo estejam relacionados à função, tal qual advertiu Benjamin (sob o risco de serem apropriados pela extrema direita). Logo, "Ora, o teatro que trata da questão salarial, por definição não pode ser dramático. Se for, está destruindo o assunto […] assim, quem quer tratar de assunto da esfera do épico, deve procurar as formas épicas de fazer arte". De acordo com Iná, o drama "(…) é a forma teatral que pressupõe uma ordem social construída a partir de indivíduos […] e tem por objeto a configuração das suas relações, chamadas intersubjetivas, através do diálogo. O produto dessas relações intersubjetivas é chamado ação dramática, e esta pressupõe a liberdade individual (o nome filosófico da livre-iniciativa burguesa), os vínculos que os indivíduos têm ou estabelecem entre si, os conflitos entre as vontades e a capacidade de decisão de cada um".

Foi neste processo de colocar-se como teatro político, capaz de construir perspectivas reflexivas, que a Brigada Patativa do Assaré, no decorrer de sua formação, percebeu a inadequação de certas formas contemporâneas de fazer teatro, pois elas não eram capazes de tratar de forma satisfatória temas históricos com dimensões sociais mais amplas.

"A tradição formal que se estabeleceu nos meios de comunicação de massa, que configurou um padrão hegemônico de representação, é a chamada forma dramática, que se estrutura pelo conflito de vontades individuais, que se realiza no presente absoluto pelo chamado diálogo dramático. Esta forma, de larga influência nas maneiras de representar, coloca sérios problemas para o tratamento de temas como Reforma Agrária, imperialismo, luta de classes, temas que não têm na figura individual de uma personalidade, no conflito dramático de um único sujeito sua mais objetiva forma de representação. Isto porque estes processos se referem a interesses de classe, a estruturas sócio-econômicas em constante e contraditória inter-relação.
Se é a forma a real portadora do conteúdo de uma intervenção estética, uma vez socializados os meios de produção cultural, o potencial de enfrentamento político pode ser anulado se utilizarmos formas equivocadas, as formas hegemônicas, e corremos o risco de solidificarem ainda mais os valores e significados que queremos combater."

Deste momento, das primeiras formações, em diante, a Brigada passou a procurar soluções estéticas para problemas políticos através da utilização de outros procedimentos da técnica teatral, que não ficassem restritos às determinações do indivíduo, mas que dessem conta de processos históricos amplos, de temas épicos, como os diversos tipos de modelos agrícolas já existentes no país, que não se configuram como um problema somente da ordem dos indivíduos, abarcando

"[…] a compreensão e correspondente formalização estética da engrenagem que articula a infra-estrutura com a superestrutura, e o entendimento da dinâmica de tensão permanente de confronto de luta de classes". A Brigada Nacional de Teatro do MST assumiu, então, o objetivo de socializar os meios de produção teatral, mediante processos de formação coletiva. Assim, a produção cultural assume formas de intervenção política, de confronto na luta de classes, por meio da "[…] compreensão de que o potencial político de nossa intervenção artístico-cultural depende da apropriação das formas críticas de representação da realidade".

Suas peças tratam diretamente de questões políticas [1], como na encenação de Alcapeta, em que nos marcos da Campanha contra a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), o grupo Utopia, primeiro coletivo teatral do MST-MS, construiu coletivamente esta peça, viajando por "todas as cidades do Mato Grosso do Sul, se apresentando em escolas, associações comunitárias, igrejas e praças públicas". A reflexão no plano do conteúdo, relativo aos objetivos da própria peça, é acompanhada pela existência no plano formal da refuncionalização do clichê do caipira, mediante a experiência da igualdade social e na ampliação dos recursos da língua portuguesa ao reconhecer os direitos estéticos do falar caipira.

Ao buscar transcender os limites das convenções dramáticas da linguagem teatral, e refletir sobre os fundamentos teóricos da arte, a Brigada Patativa do Assaré não apenas encontrou em Berltolt Brecht um autor interessante, mas passou a trabalhar com um leque mais amplo de expressões técnicas. Além disso, ao aproximar-se de outros parceiros do campo teatral, desenvolve um processo colaborativo de ganho estético e técnico para os grupos do MST, bem como ajuda a colocar em movimento a politização na cena teatral.

Encontros e politização da cena teatral
Penso que todos os grupos teatrais verdadeiramente revolucionários devem transferir ao povo os meios de produção teatral, para que o próprio povo os utilize, à sua maneira e para os seus fins. Augusto Boal.

Reconhecendo a importância política e social da cultura e da forma de linguagem, o MST também se incorporou nesta "batalha" no "front" cultural. Assevera, assim, que, contra o monopólio dos meios de representação da "realidade", há que se contrapor um projeto de transformação que gere técnicas e linguagens novas, livres dos valores colonizados e mercantis, que aponte para formas de organização social diferentes, que liberte a sensibilidade, por meio de um processo de construção coletiva de um imaginário outro.

Na intenção de eliminar a "cerca do latifúndio cultural", a Brigada Nacional de Teatro do MST compreende que:

"Com o controle das elites econômicas sobre os meios de produção da televisão, do cinema, do rádio, de jornais e revistas, há a produção da legitimação de um imaginário e de uma ideia de realidade que suprime o ponto de vista das classes populares. Com o discurso único das elites ocorre um complexo processo de naturalização da barbárie, das desigualdades sociais estabelecidas e das relações políticas (ou de poder)".

Com o intuito de contrapor-se a esta cultura hegemônica e aos seus efeitos "[…] os militantes do MST entenderam que o seu combate exigia a construção de suas próprias formas de representação estético-política da experiência social e a invenção de suas próprias formas de ação cultural contra-hegemônica". Neste propósito, encontraram terreno fértil com o contato mais sistemático com alguns grupos da cena teatral.

"Dentre os efeitos positivos dessa politização em curso [na cena teatral paulistana], acho que cabe destacar diversas formas de aproximação entre grupos teatrais e movimentos sociais. Estas experiências abrem grandes horizontes para as práticas cênicas e para a própria politização".

Esse processo em São Paulo teve início com quatro grupos que criaram um coletivo de debates e ações, sendo que hoje já o compõem onze companhias que têm como sua ferramenta de agregação o assumir-se como classe trabalhadora, isto é, pensar a produção artística do ponto de vista do conflito entre trabalho e capital, além de intensificar o diálogo de aprendizado com essa própria classe [2]. Segundo um dos organizadores dos encontros, integrante do Dolores Boca Aberta:

"Depois de alguns debates […] a gente chegou a alguns pressupostos: reunimos de início grupos que têm sede em periferia ou cujos integrantes são moradores de periferia […] são artistas de teatro que assumiram o controle dos seus meios de produção […] então, havia um recorte: queríamos dialogar com a classe trabalhadora, a nossa classe. E por isto a questão do espaço geográfico é importante. É na periferia que a classe trabalhadora vai dormir e algumas vezes se divertir. Então esses pressupostos nos pautaram por algum tempo. Nesse mesmo período, procuramos a criação de um diálogo mais intenso e permanente com a classe trabalhadora organizada. E o movimento da classe trabalhadora organizada com maior projeção atualmente é o Movimento Sem Terra, o MST".

Esta proposta de grupos de teatro em São Paulo, de atuar nas periferias inscreve-se numa tendência que predominava no interior do panorama teatral de final da década de 1970 e início de 1980, de grupos independentes de teatro espontâneo que agiam junto às comunidades da periferia da cidade, buscando fazer um teatro de e para trabalhadores.

Talvez, o elemento inovador que se desenha atualmente venha a ser uma proposta mais definida em termos de reformulação de linguagem e de conteúdos específicos da problemática de classes, para além da perspectiva de popularização do espetáculo teatral.

Estas companhias, que procuram fazer do teatro um meio de provocar a reflexão sobre problemas candentes, que buscam explorar e evidenciar as contradições do sistema social encontraram no contato com o MST uma ponte para aprofundarem seus interesses e perspectivas artísticas. "Hoje estudamos tanto o teatro de intervenção política direta, como as experiências estéticas mais radicais, aquelas que, sem deixar de tomar partido crítico, apresentam a complexidade humana da vida popular". Este fato não se deve a um acaso, como afirma Iná Camargo Costa, "O MST foi o primeiro movimento político na história do Brasil que abriu a questão da cultura, da luta cultural, como um eixo da sua intervenção", e o intercâmbio entre os jovens urbanos e o universo cultural do movimento tende a gerar frutos para ambos os lados. ACompanhia do Latão, da qual Sérgio é o diretor, teve o primeiro contato com o MST em 1998. Desenvolvendo, deste momento em diante, algumas colaborações não regulares, com espetáculos em assentamentos, cursos de formação de quadros, e oficinas teatrais.

"A verdade é que a Companhia do Latão deve muito a esses contatos, que modificaram nossa maneira de pensar o teatro. Nos últimos anos, colaboramos mais de perto com um grupo de jovens do assentamento Carlos Lamarca, em Sarapuí, interior de São Paulo, desde que Douglas Estevan, que trabalhava conosco, ingressa no MST e ajuda a formar esse coletivo, chamado Filhos da Mãe…Terra. Na colaboração com eles já surgiram dois resultados interessantes: um deles foi a peça A Farsa da Justiça Burguesa, que integrou a Marcha a Brasília em 2005, encenada com grandes bonecos, e que alude ao massacre do Pará. Seu tema é irônico: um sobrevivente da chacina de Eldorado, que se esconde embaixo de outros cadáveres, é julgado e condenado por sua falta de heroísmo, por sua indisposição a morrer heroicamente. A outra parceria se deu no prólogo em vídeo de nossa mais recente produção, O Círculo de Giz Caucasiano, de Brecht".

A presença integrante de militantes (inclusive da base) do MST dentro de alguns desses coletivos teatrais é um fator preponderante para esta tomada de consciência de um teatro crítico que, ao expor a lógica de funcionamento da sociedade, por exemplo, ao tematizar a luta de classes, percebe a sua própria limitação enquanto ação estética individual, portanto incapaz de dar soluções efetivas ao que exige a ação social coletiva. Neste sentido, para Renan Rovida, da Cia do Latão,

"Para que um movimento teatral avance de modo mais conseqüente, precisa dialogar com a experiência dos movimentos sociais […] pela primeira vez no movimento teatral recente se assume um posicionamento em relação à luta de classes. O horizonte socialista é assumido pelos coletivos participantes, e juntos começamos a estudar e discutir a realidade econômica e cultural capitalista em que estamos inseridos, refletindo criticamente sobre nossas peças".

E é esta dupla perspectiva de ação, cênica e na prática da luta da classe trabalhadora (neste caso, no acompanhamento concreto das lutas travadas pelo MST nos assentamentos, acampamentos, ocupações, marchas), que se começa a desenhar uma interessante possibilidade de horizontes.

A arte, deste modo, pode se apresentar como possibilidade de emancipação numa sociedade adestradora dos sentidos (e os níveis de reprimidos indicam isso). No entanto, quando os artistas vivenciam esses lampejos de emancipação e passam a crer que isto é algo constante consigo, e não um momento específico numa totalidade social, não conseguem apreender que ela apenas ocorre neste ato. Ao não conjugar a arte com o político, transformam-se a si em sujeitos e produtos alienados desta mesma sociedade castradora, independente do tamanho das ilusões arrogantes que possam ter, o que apenas aprofunda tal situação, reforçando sua condição de "indivíduo individual[3], agindo como se a beleza estética, ou das palavras, fosse capaz de aplacar as concretas agruras e sofrimentos.

Notas:
As ilustrações são de Piet Mondrian.
[*] Este texto é uma versão ligeiramente distinta, com algumas supressões e atualizações, do capítulo originalmente publicado em espanhol "Teatro y Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST). Potencialidades político-pedagógica" no livro Sociabilidades emergentes y movilizaciones sociales en América Latina, do Grupo de Trabalho do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais Anticapitalismos e Sociabilidades Emergentes. O mesmo pode ser baixado aqui.
[1] Na publicação Teatro e transformação social vol. 1 e 2, estão reunidas diversas peças produzidas pelos coletivos que compõem a Brigada, separada em AgitProp, Teatro Fórum e Teatro Épico. A peça produzida por um grupo costuma ser escrita e repassada para os outros grupos.
[2] Os quatro primeiros grupos foram: Dolores Boca Aberta Mecatrônica de ArtesBrava CompanhiaEngenho Teatral e Companhia Estável. As demais que compõem este cenário são: Companhia AntropofágicaBuraco d'OráculoColetivo de Cultura do MST, Companhia Estudo de CenaKiwi Companhia de TeatroTeatro Parabelo e Companhia do Latão.
[3] Fazendo referência a uma fala da peça A saga do menino diamante – uma ópera periférica, do Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes.

Este texto, MST e o teatro, está dividido em duas partes:
1) Potencialidades políticas
2) Experiências pedagógicas

As referências estarão ao final da segunda parte.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Marcelo Zelic: Apuração de assassinato de Guarani-Kaiowá corre risco de manipulação

Marcelo Zelic: Apuração de assassinato de Guarani-Kaiowá corre risco de manipulação

publicado em 22 de fevereiro de 2013 às 13:29

Zelic: É fundamental que o ministro José Eduardo Cardozo,  determine o caráter federal da investigação deste caso. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

de Marcelo Zelic, via e-mail

Caros Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes:

Há tempos não escrevo para o Viomundo por estar envolvido com a pesquisa das violações de populações indígenas durante o período em análise pela Comissão Nacional da Verdade (1946-1988). Mas a execução de Denilson Quevedo Barbosa, indígena Guarani-Kaiowá de 15 anos, me obriga a solidarizar-se com a dor dos povos Guaranis e kaiowás e pedir que você e Luiz Carlos Azenha publiquem esta carta

O assassinato ocorreu no sábado, 16 de fevereiro de 2013,  em Caarapó, Mato Grosso do Sul (MS). Foi na Fazenda Sardinha, vizinha à aldeia Tey 'ikue, onde Denilson vivia. No dia 19, o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves assumiu a autoria do crime, alegando que foi sem intenção. Após prestar depoimento, foi solto.

A morte do jovem Denilson não pode ser entendida como um simples caso de homicídio, pois está inserida num contexto de violência extrema contra indígenas que se arrasta há muito tempo naquele Estado. A apuração deste caso, entregue à polícia civil, tirando com isso todo o seu contexto de conflito agrário, é uma manipulação absurda da realidade.

Cabe, sim, à Polícia Federal apurar mais este assassinato de indígena, tipo de crime que nos últimos 9 anos chega à absurda cifra de 273 casos na região. Lembro-me que até a presença do Ministério Público Federal foi hostilizada lá em meados do ano passado, quando realizava reunião com as lideranças indígenas na aldeia. Tiros foram desferidos por agentes dos fazendeiros para intimidar a ação dos procuradores.

A terra sem lei, é sem lei quando o Estado não se faz presente de forma efetiva na defesa do que é certo e justo. Quando o Estado brasileiro vai enfrentar este problema e resolver os reclamos da nação Guarani e Kaiowá?

É fundamental que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,  determine o caráter federal da investigação deste caso, apure se houve TORTURA antes do assassinato e desloque para a região um efetivo permanente da Força de Segurança Nacional, como pedem as lideranças, para garantir a vida em comunidade desta população indígena.

O reconhecimento do limite de seus territórios reclamados e o empenho para a desocupação daqueles que ali não deveriam estar, com seus gados, segurança privada e jagunços, é o mínimo que esperamos de nosso governo. Não é de hoje que esta violência está presente na vida destas comunidades, são décadas e décadas de sofrimento e dor.

Para construir um NUNCA MAIS a esta barbárie, só há um caminho: a responsabilização e esclarecimento não só deste caso, mas também dos demais, e a prisão de mandantes e executores.

O BRASIL SEM MISÉRIA não é um assunto só de renda per capita e índices. Mesmo que logremos extirpar essa chaga da miséria profunda, só será possível comemorarmos, quando efetivamente a porção não-índia desta nossa nação compreender que todos têm o direito de EXISTIR neste país. E também que aos povos indígenas cabe, por direito ORIGINÁRIO, uma parcela necessária de território para seguir sua vida e cultura.Se continuarmos como nação a negar os direitos indígenas, seremos uma nação de miseráveis.

No vídeo abaixo um depoimento contundente de Valdelice Veron sobre os crimes de assassinatos praticados contra as lideranças Guarani e Kaiowá.

http://youtu.be/G3XCwkpZhEA

Atenciosamente,

Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória

 
 
 
 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Passapalavra volta a discutir Fora do Eixo

Existe consenso em SP? Reflexões sobre a questão da cultura (1ª parte)



São Paulo: Diferentemente da antiga indústria cultural, ao vincular a sua imagem a elementos simbólicos produzidos colaborativamente, o novo empresariado da cultura aproveita-se dessa riqueza enquanto capital simbólico coletivo, que ao final do processo haverá de ser revertido em dinheiroPor Passa Palavra

A cultura no centro da luta de classes em São Paulo
Um olhar panorâmico sobre o atual cenário da cidade de São Paulo, e talvez do Brasil, indica-nos que cada vez o tema da cultura ganha espaço e importância nas dinâmicas dos movimentos sociais. Muito do que hoje faz parte do campo político, digamos, progressista da cidade é constituído por grupos, coletivos e outras iniciativas que, de alguma maneira, privilegiam a matéria arte-cultura. Sem dúvida, esta impressão geral se deve, em grande medida, ao florescimento de um sem-número de saraus em diversas periferias da cidade, dando origem ao que se consagrou chamar cultura periférica. Mas é também resultado de uma longa jornada encampada por fazedores de hip-hop, samba, teatro, produtores e distribuidores de vídeo, música, comunicadores e mantenedores de espaços alternativos, que animam uma cena bastante diversa e mais ou menos ligada aos interesses populares.
Igualmente, mesmo os movimentos sociais, pequenos ou grandes, originalmente surgidos para atuarem com temas e necessidades mais tradicionais, como habitação, saúde, transporte ou violência urbana, têm dispensado alguma atenção ao tema. Talvez isso não ocorra tanto porque tenham todos eles chegado à conclusão de que essa dimensão, simbólica, da luta social seja de fato tão importante quanto a luta pela melhoria das condições básicas de sobrevivência; infelizmente, no interior da esquerda há ainda quem pense arte e cultura como mero reflexo das condições materiais e, portanto, item secundário a ser trabalhado e desenvolvido. Mas é que, na falta de processos de luta mais avançados e efetivos, a cultura apareceria como boa opção de refúgio, um lugar para se manter unido até que a conjuntura passe, ou então como instrumento de abordagem, uma isca através da qual se procuraria seduzir o público-alvo e então despertá-lo para os assuntos, estes sim, realmente importantes.
De todo modo, seja por reconhecimento da urgência destas demandas reprimidas ou por mera imposição da conjuntura ou pela mistura das duas coisas, o fato é que a pauta da cultura tem se colocado na ordem do dia dos diversos segmentos de esquerda.
Por outro lado, é preciso dizer que este movimento para a cultura também acontece por exigência das recentes transformações do capitalismo. A etapa atingida pelo atual sistema produtivo, sem eliminar as antigas formas de exploração, tem requerido, cada vez mais, pessoas habilitadas para trabalharem com signos, linguagens, informação, processos criativos. Não é raro, por exemplo, que os departamentos de recursos humanos das empresas prefiram candidatos que tenham tido experiência com teatro e bandas de rock aos que apresentam currículos quadrados e pragmáticos. Daí que, junto a outras conveniências, tenham se expandido pela cidade espaços, núcleos, fundações, ONGs e políticas públicas especializadas em atividades com arte e cultura direcionadas principalmente para os jovens.
Outra dimensão deste processo ainda pode ser verificada pelas formas de que o capital se utiliza para ir fincando suas bandeiras na medida em que avança sobre o espaço urbano. Hoje, na cidade de São Paulo, talvez o caso mais emblemático disso seja o projeto Nova Luz, que se apresenta como uma possibilidade de consolidar na região uma grande área voltada para a "atividade cultural e entretenimento", através da Escola de Música Tom Jobim, da Sala São Paulo, da instalação do Teatro da Dança e de outros complexos culturais. Revelador é saber que o grande articulador político deste projeto, Andrea Matarazzo, será sempre lembrado por ter investido, quando subprefeito, em medidas como a interrupção de programas de habitação popular no centro, paralisação de mutirões autogestionados, descentralização de albergues, construção de arranjos urbanísticos "antimendigos" e outras ações de agrado ao capital imobiliário.
Portanto, também pelo lado das classes dominantes, a cultura tem se apresentado como item indispensável de suas estratégias políticas e econômicas. Tudo isso permite o surgimento de noções vagas – como as de que "tudo é cultura", culturalismo versus economicismo, ou de que a cultura em si carrega um valor positivo – que se não forem analisadas criticamente acabam mascarando projetos políticos inconciliáveis que se escondem por trás das várias iniciativas. E é aqui, no quadro desta onda culturalista que contamina a cidade de São Paulo hoje, que a questão do Fora do Eixo volta a ser objeto de preocupação por parte de movimentos, coletivos e pessoas que se põem ao lado das lutas sociais.
O novo empresariado cultural: ou a "velha roupa colorida"
Quando o debate sobre a inserção do Fora do Eixo nos movimentos sociais em São Paulo veio à tona, em junho de 2011 (ver aqui), um dos problemas que se colocou foi o de definir com precisão o seu caráter institucional. É preciso esclarecer: apesar de todo o seu ar descolado e alternativo, o Fora do Eixo funciona com todos os preceitos de uma empresa capitalista, tendo por finalidade a obtenção de rendimentos, através da exploração de um esforço braçal e criativo dos diversos agentes culturais dispersos pela cidade e pelas redes digitais. Para o assunto que nos interessa, pouco importa saber se eles passeiam de iate ou preferem morar na mesma casa, dormirem em beliches e dividirem calçados.
Muito já foi dito sobre o processo pelo qual o capitalismo foi desenvolvendo formas de explorar a produção simbólica e transformar a cultura em mais um de seus ramos de negócio. Ao longo do século XX, não foram poucas as experiências artístico-culturais que, mesmo tendo brotado como espaços de resistência e negação das engrenagens políticas e econômicas, acabaram sendo submetidas às regras destas engrenagens. Grande exemplo disto foram os movimentos contraculturais nascidos nos EUA e na Europa na década de 60 e que ganharam força também no Brasil durante os anos 70. Apesar de ser impulsionado por sentimentos de recusa e anseios de transformação radical, mobilizando símbolos transgressores, o poder efetivo de crítica desta cena foi sendo neutralizado na medida em que era assimilado pelos princípios de funcionamento dos atravessadores da Indústria Cultural, até que chegasse à condição de ser apenas mais um produto, ainda que alternativo, do mercado de bens simbólicos.
Grosso modo, essa velha indústria cultural com que estamos acostumados estrutura-se em torno da proteção do direito autoral. Ou seja, a lucratividade dos agentes intermediários deste negócio – os famosos atravessadores – é assegurada pela vantagem exclusiva que as empresas do ramo (gravadoras, editoras, empresas radiodifusoras e televisivas) detêm sobre os meios de produção e exploração comercial de um dado produto artístico. Por isso, seus grupos de pressão no plano jurídico-político se orientam pela defesa intransigente das leis de proteção da propriedade intelectual, pela proibição da livre cópia, da pirataria etc.
Acontece que o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, em especial a internet, caminha para tornar estes mecanismos de lucratividade ultrapassados. Afinal, com a popularização deste novo aparato, o acesso aos meios de produção artístico-culturais se ampliou significativamente, diminuindo a dependência em que artistas e consumidores estavam relativamente aos grandes grupos econômicos do setor. Isso, por um lado, vai corroendo a base de existência desta velha indústria cultural, mas, por outro, dá origem ao surgimento de um novo empresariado da cultura, que desenvolve formas próprias de obter vantagens econômicas sobre a produção cultural independente e colaborativa. O Fora do Eixo, portanto, insere-se neste novo modelo.
O novo empresariado cultural é formado por uma constelação de agentes ajustados às novas condições de nosso tempo, empreendimentos que não precisam buscar sua fonte de lucro no direito exclusivo que tenham sobre a venda de um CD, um livro ou uma boa ideia qualquer. Neste novo modelo de indústria cultural, basta que as empresas "colem" a sua imagem ao processo de criação de outros grupos, coletivos, redes e pessoas; misturando, associando, embaralhando a sua marca à riqueza de saberes e símbolos que são produzidos por outros.
Mas como é que eles conseguem tirar vantagem econômica disso?
Pablo Capilé, o grande articulador do Circuito Fora do Eixo, gosta de dizer que o que fazem se trata de uma "disputa narrativa". De fato, o primeiro passo consiste em convencer os parceiros e voluntários envolvidos de que todos os esforços envidados no curso de um projeto não se caracterizam como trabalho, mas sim ativismo, militância, manifestação de desejos. O novo ativismo, para ele, deve trocar trabalho por vida. Mas o próprio Capilé explica que esta mudança é, na verdade, uma "ressignificação".
Pois, se não fosse apenas uma ressignificação, como explicar que "A cada 1 real captado, esse movimento é capaz de transformar em 100" – como Capilé afirmou recentemente? "Para fazer o Existe Amor em SP, o movimento gastou R$ 20 mil. Se cada um fosse fazer por fora, um evento como esse custaria R$ 500 mil." (ver aqui) Estaríamos diante de um passe de mágica?
Ora, nada mais providencial para demonstrar que a multiplicação dos pães neste caso só se torna possível porque existe uma enorme quantidade de trabalho não-pago envolvida. O que Capilé procura compensar elogiando o esforço da "militância". Ao converter seu trabalho em vida, um grande número de agentes produziu e distribuiu flyers, divulgou na internet, carregou caixas e ofereceu os seus serviços solidariamente, inclusive os grandes músicos que abrilhantaram o espetáculo etc.
Uma objeção aqui poderia ser feita: "Ué, mas não pode estar havendo aí exploração, uma vez que o resultado desta soma de esforços não foi colocado à venda no mercado, de onde um ou outro grupo pudesse tirar vantagem, ninguém pagou para consumir o evento". Pois é aqui que reside a novidade. Grupos como o Fora do Eixo vão buscar suas principais fontes de renda a partir de outros meios; elas não acontecem aí, no momento em que o público usufrui o dado produto cultural, mas posteriormente.
Uma das vias principais é certamente a dos editais. O Fora do Eixo é uma máquina de obtenção de editais, públicos e privados. Para tanto, a produção coletiva de grandes eventos ou as campanhas massivas pela internet, por qualquer tema que for, desempenham aqui um papel especial: elas são demonstrações da capacidade que o circuito tem de mobilizar, coordenar e direcionar esforços de produção criativa, os quais, por sua vez, são capazes de atrair olhares e novas plateias. O que o Fora do Eixo negocia e oferece a governos e empresas com quem estabelece convênios e parceiras não é exatamente um produto artístico, mas precisamente esta capacidade de articular e gerir trabalho criativo e organizar plateias. Tanto maior será a sua vantagem na obtenção de editais quanto maior for a demonstração de sua capacidade mobilizadora.

Capilé em encontro com a nova Ministra da Cultura, Marta Suplicy
É assim que os R$ 20 mil reais investidos antecipadamente no Existe Amor em SP, ao entrar em contato com a varinha mágica do empenho quase gratuito de dezenas ou centenas de mãos e cérebros, hão de se transformar em R$ 500 mil.
Não é com uma venda de ingressos para o show na Praça Roosevelt, para ficarmos com esse exemplo, que o Fora do Eixo consegue esse montante estimado; até porque se fosse vendido, tal qual a lógica do mercado tradicional, o coletivo-empresa não alcançaria o público que pretende e seria ainda contraditório com o discurso que apresenta. Eles se utilizam de um trabalho não-pago de "ativistas", que trabalham nas propostas do circuito e vendem essa capacidade de mobilização e articulação de grupos, redes e agentes culturais para os editais de financiamento que mantêm o funcionamento e a ampliação da sua estrutura.
Para se ter uma ideia, em 2012 o Fora do Eixo divulga  (até a data desta publicação) ter se inscrito em 122 projetos culturais, solicitando um total de R$ 25.278.930,96. (ver aqui) Procuramos obter informações mais detalhadas a respeito, mas a página do site do coletivo-empresa parece estar em manutenção.

Fora do Eixo em reunião de parceria com a Fundação Vale
Assim, diferentemente da antiga indústria cultural, que dependia de contratos e termos jurídicos bem ajustados, ao vincular a sua imagem, mesmo que informalmente, a elementos simbólicos que são produzidos colaborativamente por agentes, a princípio, independentes, o novo empresariado da cultura consegue aproveitar-se dessa riqueza enquanto uma espécie de capital simbólico coletivo, que ao final do processo haverá de ser revertido em ganhos em espécie, ou seja, dinheiro. Mais vantajosa é a relação quando se verifica que o agente intermediador, no caso o Fora do Eixo, pouco ou quase nada precisa intervir no processo, visto que, em se tratando de trabalho criativo, maior produtividade será obtida quanto maior for a liberdade e a autonomia dos seus produtores.
Em resumo, o coletivo Fora do Eixo e outros similares, enquanto representantes desse novo empresariado da cultura, se apresentam como uma versão repaginada dos velhos exploradores da produção simbólica coletiva.
Quem são alguns desses novos atravessadores da cultura em São Paulo?
Como já dissemos, o que o Fora do Eixo faz é negociar com governos e empresas financiadoras a sua capacidade de mapear, articular e gerenciar redes, grupos, coletivos e pessoas. Sendo assim, seu poder de barganha tende a ser maior quanto maior for a demonstração de sua força articuladora. Isso é feito trazendo grupos e pessoas para dentro de suas estruturas, ou seja, colando a marca Fora do Eixo nas iniciativas — muitas vezes independentes — de seus chamados parceiros.
Uma vez que possui várias naturezas de registros oficiais e não oficiais (como ONG, OSCIP, fundação, movimento social, coletivo de cultura etc.), o Fora do Eixo goza de bastante flexibilidade para abordar diversos setores da sociedade e do Estado — sejam eles entidades mais capilarizadas, próximas a iniciativas de base, ou órgãos governamentais, ligados a corporações capitalistas — para aglutiná-los todos em seu guarda-chuva.
Como em grande parte das parcerias se trata de relações informais, é difícil medir com exatidão o tamanho do Circuito Fora do Eixo. Além disso, é preciso considerar que, para melhor venderem o seu peixe, os membros do Fora do Eixo — como bons manipuladores da linguagem publicitária — geralmente inflacionam as suas realizações de forma a passar a impressão de que tudo o que eles fazem está bombando o tempo todo. De todo modo, é possível diferenciar dois níveis de "parcerias" estabelecidas pelos novos expropriadores da cultura.
Por um lado, são chamados de parceiros todas aqueles grupos, coletivos ou pessoas que, direta ou indiretamente, contribuem para a estruturação e consolidação da organização, ou seja, grupos e pessoas que realmente produzem algum tipo de bem simbólico, cultural, artístico: músicos, poetas, técnicos, designers, ou mesmo manifestações espontâneas das redes sociais etc. O que pode acontecer de forma voluntária (gratuita) ou remunerada através de moedas alternativas (semigratuita) a serem utilizadas dentro do próprio circuito.
Há, por outro lado, a atuação conjunta com outros tipos de parceiros, aos quais o Fora do Eixo se associa conforme interesses específicos, e que normalmente são outras empresas do ramo cultural. No caso da organização dos eventos #AmorSIMRussomanoNÃO e #ExisteAmoremSP, à véspera das eleições municipais, participaram pequenos, médios e grandes empreendimentos voltados para o público de hábitos de consumo alternativos, como o Studio SP, a Festa Voodoohop, Festa do Santo Forte/Estúdio Emme, a Matilha CulturalA Leda e a revista Trip.
Na declaração de um dos sócios da casa de shows Studio SP, Alê Youssef, feita à própria revista Trip após o sucesso dos eventos, fica evidente a forma pela qual os processos coletivos e espontâneos de criação simbólica, tornados possíveis pelas parcerias com os de baixo, podem ser canalizados em benefício de uma parte:
"Para tentar fazer algo a respeito, me reuni com os alguns amigos jornalistas com a turma ativista do Fora do Eixo. Fomos todos para a Praça Roosevelt, onde encontramos produtores, artistas e frequentadores da região. Em poucas horas de cervejas e confabulações, bolamos o slogan #AmorSIMRussomanoNÃO e pensamos na cor rosa como símbolo da alegria, diversidade e transgressão que tanto amamos em São Paulo e que não queríamos perder de jeito nenhum, como que sem esses elementos, ficasse insuportável de vez sobreviver ao cinza da nossa megalópole."
Segundo a afirmação de Youssef, aquilo que durante a organização era propagandeado como resultado de esforços coletivos, comuns, aparece aqui como jogada de marketing concebida por um reduzido grupo de privilegiados: empresas e agentes profissionais da cultural alternativa.
Os interesses de classe ficam mais claros ao sabermos que, logo após os eventos na Praça Rossevelt, Youssef tenha mandado pintar a porta de sua casa noturna com a cor rosa, de forma a atrair parte do público que se aglomerou na Praça, mas agora na condição de meros consumidores de um ambiente cool que eles mesmos ajudaram a conceber. Ou seja, o fruto de uma ação coletiva, ou alheia, é apropriado privadamente por um pequeno núcleo de empresários da cultura alternativa. Afinal, quem acompanha alguns movimentos sociais em São Paulo, principalmente no que diz respeito à resistência às formas de repressão estatal, sabe que a simbologia do rosa não foi criada neste espaço.
Sob este aspecto, a "disputa narrativa" defendida por Capilé se coloca, na verdade, como uma disputa por um mercado particular, de olho nos temas em voga no largo campo da cultura alternativa. Retórica multicuralista e modas estéticas avançadas são articuladas com o objetivo de conquistar um mercado em expansão e mais apoios financeiros a seus projetos, uma vez que, segundo o principal articulador do Fora do Eixo, "o jovem brasileiro está tão animado que está gastando o que não tem". (assista aqui - [19'30'' a 20'20])
Continua…
A 2ª parte deste artigo será publicada no domingo (24/02)
LEIA A SEGUNDA PARTE EM:  http://passapalavra.info/?p=73022