Pesquisar este blog

domingo, 29 de junho de 2014

BOLETIM INFORMATIVO FÓRUM DE ARTE PÚBLICA DATA: 02 DE JUNHO DE 2014

Novos rostos no encontro desta segunda feira e muita riqueza de informação e vivência.

Cia dos Prazeres:
Tivemos a visita do grupo de eatro Cia dos Prazeres, grupo que nasceu a partir de um trabalho desenvolvido no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, pelo ator Lucas Wegliski. A Cia participou do Projeto Arte Pública na Praça da Harmonia, curadoria da Cia Mystérios e Novidades e Ligia há algum tempo vinha convidando o grupo para conhecer o Fórum de Arte Pública. Lucas, diretor do grupo nos contou que é carioca, mas por um tempo esteve estudando e trabalhando em São Paulo com o Grupo Oficina do diretor José Celso. De volta ao Rio de Janeiro, á convite de Heloísa Buarque de Hollanda, criou um acontecimento teatral que celebrasse Lima Barreto, autor homenageado na recém criada FLUPP (Feira Literária da Periferia). Oferecendo oficinas que misturava jogos de teatro e música, logo teve adesão de 60 jovens dos Prazeres e assim nasceu o espetáculo “Barreto dos Prazeres, do Subterrâneo do morro ao cemitério dos Vivos: Rasga Coração!”, que contava e cantava a vida do escritor, em 2012. Hoje, já com três anos de atividade, o Grupo conta com 45 pessoas e estreamos em maio o espetáculo “Salve os Prazeres”, terceiro espetáculo da Cia, que conta a história da comunidade.  

Lucas: O espetáculo é um labirinto afetivo pelo lugar onde a Companhia nasceu e que queremos celebrar cantando sua historia. Provocamos os jovens atores a buscar a memória da comunidade, qual seu trajeto afetivo, quem são as pessoas que todos conhecem e seus feitos lembrados pelas suas ações pela comunidade, como os antigos heróis gregos. Assim fomos percorrendo os caminhos do morro, visitando casas, conhecendo as avós, tias e velhos moradores que ainda mantinham viva a memória dos Prazeres para construir a narrativa de nossa pesquisa... Os moradores não sabiam muito da sua história... É uma ópera popular para os moradores... Fazemos uma procissão ambulante do espetáculo morro acima e morro abaixo... Atualmente o grupo está sediado na Escola Monteiro de Carvalho...  Arrumamos o teatro que tinha virado depósito... No inicio o pessoal da escola estranhava, a gente tirando a camisa para ensaiar... Hoje existe uma relação... Dois anos passamos trabalhando por amor... Ano passado, pela primeira vez ganhamos um prêmio da prefeitura com um projeto falando do Morro dos Prazeres... Deu para bancar o trabalho... Este ano, sem um centavo, criamos o Rito do Nascimento, comemorando o aniversário do Abdias. Começamos a ver que estávamos muito ilhados, vimos que estávamos sozinhos... Legal o convite da Ligia para a gente conhecer o Fórum, ela já tinha nos convidado antes.

Depois desta apresentação, Claudia,  uma das integrantes do grupo, perguntou o que era o Fórum ao foi respondido que “Aqui é a reunião de vários grupos e artistas... onde artistas que fazem arte de rua se encontram... Para falar da arte que realizamos... A gente não faz pelo dinheiro, mas fazemos como se tivéssemos e como é bom ter dinheiro para fazer o que a gente faz. Parece que não merecemos... Para o mercado o que fazemos não tem valor... Não tem valor porque não rende dinheiro. A gente não faz para ficar rico, a gente faz por Prazeres... (Amir Haddad)”

Leo Carnevale: - A reunião de arte pública não é só teatro, mas de quem é artista e está atuando nas praças públicas...

Amir: - Encontramos as mesmas alegrias e as mesmas tristezas. Nós estávamos sozinhos... Quando você sabe que não está sozinho, rompe as barreiras... Aqui se faz arte pública, discute arte pública... Cada grupo tem sua história, seus problemas, a ambição não é de chegar ao topo... Aqui a gente tenta organizar esse pensamento, o que é um artista público, o que é arte pública onde tudo é privado. Queremos ser artistas públicos, não somos poucos, somos muitos. Cadastramos 760 artistas de rua dentro do projeto... Aqui nós existimos... Não queremos ser o outro teatro, não queremos nos adaptar aos editais... O teatro que a burguesia conhece e que não nos reconhece. Queremos políticas públicas... Não queremos aderir aos espaços onde as artes das elites acontecem... É bom ter você aqui, que existe está possibilidade e que se estimule essa produção da vida cultural... É diferente do que a burguesia apresenta... Arte pública é a nova possibilidade, onde possam se expressar sem o preciosismo técnico, sem o virtuosismo... O que nós temos de humano é suficiente... A gente não sabe que cara nós vamos ter lá na frente, no convívio urbano... A gente se coloca como as forças desarmadas da cultura, cada um com seu próprio jeito, sua história... Não queremos ser transgênicos... O momento é importante, estamos elaborando um documento pedindo políticas públicas, onde se crie um lugar, um setor para cuidar... Um setor especial público para fomentar a arte pública... Se a gente conseguir, vai ser um avanço. Vivemos no mundo do capital... Remamos contra a maré... Não queremos edital... Queremos fermento para as artes públicas... Que os grupos sejam escolhidos pelo seu trabalho... Não é edital, é apoio...”.

As Meninas Caras Pintadas:
Também tivemos a presença de Maria Tereza e Sonia do Grupo  Caras Pintadas que vieram para o encontro depois de estarem se apresentando nos ônibus, tocando música e declamando o poemas. Vestidas com seus figurinos, foi interessante sua participação pelo depoimento da vivência que tiveram enquanto trabalhavam:

Maria Tereza: “Na sexta feira de noite, no primeiro ônibus que a gente entrou, enquanto a gente trabalhava teve um cara que bateu no vidro respirou fundo e começou a bater de novo. Teve um momento que ele disse que conhecia a gente e que éramos sapatões do Nós do Morro e que estavam incomodando a ele que tinha pago passagem... A gente falou que não queríamos incomodar ninguém, que só estávamos fazendo o nosso trabalho... Ele insistiu e falou que pagava a nossa passagem para descer e nós respondemos que não queríamos descer, que só queríamos falar de poesia. Perguntamos aos passageiros se queriam que descêssemos.... Todo mundo ficou contra ele, que a gente devia continuar. Ai um começou a contribuir para o chapéu, outro... O chapéu ficou cheio, fizemos nosso trabalho e quando estávamos nos despedindo  para descer, o mesmo cara que tanto reclamou, chamou  a gente, disse até que enfim e contribuiu com o chapéu também. Uai, a gente agradeceu e descemos. Foi engraçado...”

Sonia: “Hoje á tarde, enquanto a gente estava cumprimentando os passageiros de um ônibus, teve uma senhora que ficou indignada e perguntou o que a gente estava fazendo. Respondemos: Arte! Ela falou que a gente não estava fazendo arte, ela fazia, ela disse que era bailarina e que trabalhava o dia inteiro...”

Maria Tereza: “A senhora acha que eu faço o quê? Eu amo o que faço! Adoro o meu trabalho...”

Sonia: “Ela sentou, viu a gente trabalhar e depois no final contribui para o chapéu... É o que a gente enfrenta no dia a dia, mas eu não troco o que faço por nada...”

Amir: “Quando se está na rua é mais fácil. Dentro do ônibus a discussão se estabelece. Ela é bailarina. Tudo é arte pública, nasceu livre... A dança se fechou mais. Ela diz – eu sou capaz de equilibrar em cima do dedão – e sofre com isso.”

A Relação com o Poder Público
Claudio, artista ligado com os movimentos culturais das favelas falou sobre as questões das UPPs e acha muito importante a discussão sobre arte pública como possibilidade. O artista é que tem que fazer, não ficar a encargo de editais para as UPPs. Nas comunidades aumentam os espaços culturais, mesmo que ao pé do morro. “A gente tem uma obrigação anti-UPP... É estado policial... Na UPP a proposta é agressiva... Teatro não é negocio de UPP. A gente nem escolheu, escolheram por nós... Essas discussões tem que ir para esses núcleos... Também somos Arte Pública...”

Maria Helena, do Tá Na Rua: “Tem que ter diálogo com o poder público, com o Estado... O projeto da Arte Pública onde cadastramos 700 artistas foi através disso do diálogo com o Prefeito, nem foi com a Secretária de Cultura. Estou falando isso por que apesar da verba ter vindo da Prefeitura, não quer disser que concordamos com tudo o que o Prefeito faz... Se estiver errado nós falamos... Em todos os encontros com o Prefeito, o Amir sempre falou o que pensa e o Prefeito escuta, por que quem está se expressando é o cidadão. Tem que entender que o cidadão tem que ser ouvido, é um exercício que tiraram da gente... Aqui no fórum nós exercemos... Não é concordando com a UPP, mas é se organizando. Nós queremos expandir esse pensamento nas comunidades, faz parte também dos questionamentos do Fórum...”

Abrindo o Baú
Pedindo a Palavra, Richard, do Grupo Off Sina, comentou que estava pensando se deveria ou não abrir o baú da memória, mas que decidiu abrir para contar toda a história da formação do fórum, desde o primeiro momento em que nós juntamos por causa da Operação Choque de ordem, concedendo poderes para que a guarda municipal impedisse camelôs e artistas de rua de trabalharem nos espaços abertos: “Foi uma deixa para que entrássemos em contato e elaborássemos uma ação contra a ação que estávamos sofrendo... Foi batendo o tambor e com nosso ofício que fomos para a Cinelândia, não como uma forma de protesto... Nós manifestamos como uma proposta benéfica para a cidade. O Amir estava lá narrando quando veio o convite da então secretária de cultura Jandira Feghalli para a gente se reunir com ela para falar da situação... Fomos eu, Amir e Maria Helena para falar com ela... A proposta dela era um decreto nos permitindo trabalhar nos espaços públicos... O Amir viu aquilo e disse não para a secretária... Ele deixou claro que decretos não assegurava  ninguém, decretos podem ser revogados... Não era isso que interessava. Ela não quis saber muito, saiu da sala e nos deixou com o assessor dela... Foi um desrespeito... Fomos embora e continuamos a nos reunir. Neste momento, o vereador Reimont que estava acompanhando nosso processo elaborou uma lei que nos beneficiava e que estava tramitando na Câmara de Vereadores. Continuamos indo para a rua nos manifestar... A lei foi aprovada... Quando foi para o gabinete do prefeito para ser assinada, ele vetou a lei. De novo fomos nos manifestar contra este ato... O Prefeito marcou uma reunião com os artistas de rua para falar sobre o veto... Foi aqui, na Casa do Tá Na Rua... A casa ficou cheia... Ele demorou a chegar... Antes tinha mandado seus assessores para ver como estava o ambiente... Quando chegou foi engraçado... Tinha um rapaz vestido com uma máscara di diabo... O prefeito levou um susto... Quando subiu as escadas, viu aqueles artistas, vestidos á caráter com suas roupas de trabalho... Tinha um púlpito preparado para ele. Ficaram lado a lado, Amir e o Prefeito Eduardo Paes. O Prefeito já veio preparado, oferecendo o mesmo decreto que já tínhamos rejeitado. Amir falou NÃO, decreto não, decretos podem ser revogados, repetiu ele, com a mesma firmeza que tinha falado com a Jandira e acrescentou que o que precisávamos era da lei que a plenária da Câmara tinha aprovado e ele, o Prefeito, tinha vetado. Está lei possibilitava que o artista de rua estivesse amparado para que pudesse exercer seu ofício, sem medo. Decretos eram para as gavetas vazias. Então, tendo aquela platéia de artistas como testemunha, o Prefeito voltou atrás e declarou que iria pedir para a sua bancada vetarem o seu veto, o que aconteceu e no dia da votação nós estávamos lá, nas galerias... O veto do Prefeito caiu e a Lei 5429 do Artista de Rua foi aprovada em definitivo... E nesta mesma reunião o prefeito acrescentou que mandaria que a secretária de cultura apresentasse um edital para os artistas de rua... Ficamos animados, já estávamos quase aplaudindo... Conseguimos a palavra do Prefeito que mandaria aprovar a lei e ainda conseguiríamos um edital... Foi quando mais uma vez o Amir disse NÃO, não queríamos edital, editais eram excludentes e não seriam os artistas de rua que seriam beneficiados, somente os mesmos que se inscrevem e que nem seriam artistas que se apresentam nas ruas... O que precisamos é de projetos que possibilite esses artistas a se valorizarem e a ajudar em constituir políticas públicas para as artes públicas, edital não!... Então o Prefeito pediu que elaborássemos um projeto para atender os artistas de rua e que teria recursos oriundos do seu gabinete. Não esperávamos isso... Deu certo medo no início, como elaborar esse projeto? O conceito de Arte pública era muito novo para nós... Então constituímos esse Fórum para elaborar o projeto... Toda segunda-feira nos reuníamos para falar do projeto e discutir e entender o que é Arte Pública... Elaboramos o projeto... Apresentamos na Secretária de Cultura... Primeiro se chamava Arte Pública, Uma Política em Construção... Depois, com instruções da secretária, para facilitar o repasse dos recursos, refizemos a proposta do projeto e virou O Primeiro Festival carioca de Arte Pública... Demorou a sair, mas sempre acreditando... Quando a verba saiu, tivemos que correr para executar o projeto... O projeto abraçava seis praças da cidade tendo grupos que já atuam nestes locais... O Off Sina cuidou do Largo do Machado, o Tá Na Rua do largo da Lapa e da Praça Tiradentes, O Boa Praça atuou na Sans Peña e na Praça Xavier de brito, na Tijuca e a Cia Mystérios e Novidades na Praça da Harmonia, na Gamboa, Zona Portuária... Foi difícil o começo, mas depois conseguimos engrenar... Durante três meses artistas e grupos circularam e se apresentaram nas praças e conseguimos cadastrar, para nossa surpresa e satisfação 760 artistas. Tudo surgiu daqui. O ultimo dia do projeto não foi uma conclusão, foi uma Apoteose para avançarmos mais um passo, não foi o final... E não paramos de nos encontrar no Fórum... Há três anos ou mais que aqui nos encontramos para continuar o que começamos e muito já avançamos... Acho importante trazer essa memória, primeiro para falar que não devemos esperar pelo poder público, nós é que temos que fazer sermos ouvidos para que o poder público nos atenda, nos ouça. Em segundo para falar que nada disso seria possível sem a sabedoria do Amir... se não fosse por ele, não teríamos compreendido que o que precisamos, como ele falou, de apoio, de projetos que sejam fermento para que a nossa massa possa aumentar e crescer... É bom sempre lembrar essa memória; abrir o baú dessa história para compreender que temos um passado e que possibilitou estarmos aqui até hoje, o que não é fácil... Mas estamos aqui, até hoje,  sempre aprendendo mais...”

Comemoração do Segundo Ano da Lei:
Antes de fechar o encontro, Pascal Maurice, o músico do realejo, nos lembrou que no dia 05 de Junho, á Lei 5429, do artista de rua estava completando dois anos e que deveríamos fazer uma comemoração. Concordamos que não podíamos realmente deixar de celebrar a data porque foi uma lei construída pelos artistas e defendida na Câmara pelo seu autor vereador Reimont. Como muitos tinham compromisso no dia 05 de Junho resolvemos celebrar o aniversário no dia 09 de Junho, na Cinelândia, ás 19h, como atividade do Fórum. Combinamos então de nos concentramos na Casa do Tá Na Rua ás 17h, sair em cortejo da Lapa ás 18h, para chegar na Praça da  Cinelândia as 19h, em frente a Câmara de Vereadores e assim dar os parabéns para a Lei.

Com esse acerto para o dia 09, encerramos o encontro deste dia finalizando com o nosso salmo, letra de Paulinho da Viola, acompanhados da  flauta do Grupo Caras Pintadas:

Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar
É ele que me carrega como nem fosse levar
É ele que me carrega como nem fosse levar,
E quanto mais remo mais rezo Pra nunca mais acabar
Essa viagem que faz o mar em torno do mar,
Meu velho um dia falou com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos que a gente possa agarrar...
Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar
É ele que me carrega como nem fosse levar
É ele que me carrega como nem fosse levar...”

Termino este boletim sempre lembrando que não é uma ata, mas um informativo escrito a partir das minhas anotações e que está aberto para acréscimos, sugestões e correções.

Ass:

Herculano Dias

SERIA NOVELA, SE A HISTÓRIA NÃO FOSSE VERDADEIRA!


Não foi fácil descobrir como fazer, mas

Em 2013, artistas e produtores culturais do Estado de SP organizaram-se através do Fórum do Interior, Litoral e Grande São Paulo: Artes e Políticas Públicas (Fórum LIGSP) e participaram de todas as Audiências Públicas que ocorreram nas regiões administrativas do estado e que a Assembleia Legislativa do Estado de SP (ALESP) fez, e todo ano faz, para ouvir as principais necessidades da população paulista. De porte das principais solicitações distribuídas em áreas, os deputados orientam-se na definição do orçamento do ano seguinte, tarefa que requer muita responsabilidade.

É muito falado e conhecido que uma das áreas mais negligenciadas pelo critério da distribuição de verba é a Cultura, e de fato, não atinge nem 0,5% em relação ao orçamento geral do estado.

A organização dos artistas e fazedores culturais em 2013 causou impacto significativo por atuar via os mecanismos legais e colocar em destaque a Cultura como uma das áreas prioritárias, principalmente nos territórios além da capital, onde a produção cultural é efetivada mais pela dedicação dos que entendem o quanto este exercício é fundamental para a saúde social do que propriamente pela atenção dada dos governantes.

Importante dizer que,

O Fórum LIGSP enfatizou que o mecanismo legal para o atendimento de suas reivindicações é  o PROAC Editais (Programa de Ação Cultural), cuja verba é repassada diretamente aos artistas que apresentam projetos artísticos e são selecionados por excelência mediante seleção feita por comissão qualificada para tal. Saiba mais no final do texto.  O outro mecanismo, PROAC ICMS, deixa ao setor privado a escolha dos projetos que lhe convém, normalmente por critérios de marketing e visibilidade. Cabe destacar aqui que o Fórum LIGSP apoia a implementação do Fundo Estadual de Cultural para que esta distorção deixe de acontecer, mas este é outro assunto.

Ênfase para que o Fórum LIGSP pudesse ser ouvido.

No dia 05 de novembro/2013, 500 artistas de todo estado ocuparam a ALESP para participar de Audiência Pública e debater junto à Comissão de Educação e Cultura, à Secretaria de Estado da Cultura, à Comissão de Finanças e Orçamento da Assembleia Legislativa e representantes da sociedade civil os fundamentos e importância da LUTA POR 100 MILHÕES PARA O PROAC EDITAIS. Se à primeira vista o valor é alto, ao fazer os cálculos – 100 milhões divididos entre 644 cidades e todas as áreas culturais e artísticas – o resultado não deixa dúvidas de que ainda é um valor baixo.

Primeiro Final desta história, quase feliz, dois aportes: mais 4 milhões e depois mais 10 milhões.

De anos anteriores o PROAC EDITAIS já tinha uma verba de 30 milhões, e com o esforço da sociedade civil artística organizada recebeu um acréscimo de 4 milhões e passou a 34 milhões.

E mais, na ata da sessão no 85 de 19/12/2013 consta via emendas aglutinativas um aporte de mais 10 milhões, quantia inferior à total pleiteada, mas que se dirigida ao PROAC Editais conforme a legítima solicitação, seria uma resposta de diálogo entre o poder público e a sociedade civil.

Total conquistado 14 milhões, portanto um aumento de 30 para 44 milhões.

As manobras burocráticas ultrapassaram a ficção.

A verba suplementar de 10 milhões, conquistada pelas emendas aglutinativas, desapareceu por meio de estratégias burocráticas e o Relator do Orçamento, Deputado Cauê Macris, não reconheceu o fato, embora documentado em ata. A reação de indignação dos próprios parlamentares que acompanharam a sessão no 85/2013 pode ser comprovada pelo vídeo https://www.youtube.com/watch?v=gO_QDa4WkO4&feature=youtu.be

A NOVELA!

Na política brasileira, ao povo não basta conquistar, não é suficiente nem estar diante de quem escreve o veredito. É preciso checar para ver se o que foi escrito condiz com a decisão.

É assustador que, além de todo esforço de um ano para a conquista da pauta documentada em assembleia, o Fórum LIGSP ainda tivesse que lutar mais 6 meses para conseguir o que já havia adquirido.

O que de fato ocorreu nunca saberemos, mas o que parece é que os 10 milhões foram destinados à Secretaria de Estado da Cultura sem destino certo, sem rubrica PROAC EDITAIS, e assim a verba ficou impossível de ser localizada.

Depois da indignação e do desrespeito sofrido,

Artistas, produtores, gestores culturais e representantes de cerca de 50 cidades do interior, ABC, litoral e capital paulista, novamente ocuparam a ALESP no dia 10 de junho/2014. Além de procedimentos por parte dos parlamentares, com o típico propósito de provocar o cansaço, como o adiamento da Audiência Pública que deveria ter sido iniciada às 16h30, mas que foi adiada por 2 vezes, 30 minutos cada, informações controversas geravam dúvidas.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura, Marcelo Mattos Araújo, na semana em questão através de sua assessoria, divulgou um aporte de 6 milhões para o ProAC Editais obtidos por meio de suplementação de verba junto ao governador, entretanto a informação foi negada pelo líder do governo, o presidente da câmara e outros deputados presentes. Todos afirmaram que tanto os 6 milhões, como os 4 milhões partiram de emendas aprovadas na ALESP.
Quem é o pai da criança?
Na ocupação que o Fórum LIGSP fez em 10 de junho/2014 na Assembleia Legislativa, o Presidente da Comissão de Educação e Cultura da ALESP, Deputado João Paulo Rillo, esclareceu que os 10 milhões são oriundos da ALESP.
Apesar do Deputado Barros Munhoz, líder da bancada do governo, ter-se comprometido e confirmado estes esclarecimentos, desta vez uma nova reunião foi marcada entre os parlamentares e o Secretário de Estado da Cultura para o dia 24 de junho/2014, com a presença de integrantes do Fórum LIGSP para não restar dúvidas.
Mas as dúvidas permanecem!
Na reunião com o Secretário Estadual de Cultura, infelizmente sem a presença de um Deputado para que as afirmações pudessem ser confrontadas, o sr. Marcelo Araújo manteve a posição de que a verba foi conquistada via liberação do governador.
É importante saber a origem, ou a verba basta?
É muito importante, inclusive porque a declaração do sr. Deputado Barros Munhoz prometendo empenho pessoal na liberação da verba faz com que um novo diálogo precise ser aberto, desta vez com a Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo.
Na verdade, por mais que o Fórum LIGSP tente, a transparência das informações é difícil de ser conseguida, e o exercício político dolorido. Mesmo com a verba destinada, ela ainda precisa ser transformada em dinheiro e rubricada para a finalidade pleiteada.
Cabe ressaltar que a luta deve permanecer, que no discurso os líderes das bancadas já se comprometeram com os propósitos do Fórum LIGSP para 2015, porque finalmente reconheceram a importância do PROAC Editais para os territórios culturais além capital, por terem efervescência e produção cultural próprias, que precisam ser respeitados como tal e com espaço orçamentário reconhecido.

Fórum do Interior, Litoral e Grande São Paulo: Artes e Políticas Públicas

Para saber mais sobre o Fórum LIGSP
Em 2007 o Fórum do Interior, Litoral e Grande São Paulo: Artes e Políticas Públicas provocou a mobilização e organização de artistas, produtores e atuadores em cultura do Estado de São Paulo, colocando em foco a produção artística e cultural nos territórios além da capital. Nos anos subsequentes, Bauru, Hortolândia, Santos, Osasco e Ribeirão Preto foram cidades sedes de encontros para refletir, discutir, propor e agir na busca de condições que propiciassem uma melhoria considerável e desejada no campo das artes e cultura. É um movimento com grande representatividade da classe artística e cultural, atuante, que conseguiu estabelecer suas metas e lutar por elas através dos caminhos democráticos e legais.
O Fórum LIGSP tem o apoio da Cooperativa Paulista de Teatro, mas foi desenvolvido com esforço e recursos dos próprios artistas para diagnosticar, refletir e propor ações para as artes do interior, litoral e grande SP. É uma organização que a cada ano ganha força e pela primeira vez na história das mobilizações culturais colocou voz nos debates e discussões sobre programas e distribuição de recursos estaduais para a cultura, com o intuito de alcançar ações de continuidade nos municípios, que fortaleçam, difundam e desenvolvam suas produções culturais e artísticas.

PROAC – EDITAIS

O ProAC é efetivado por meio de editais, que funcionam como concursos, com período de inscrição, regras e parâmetros específicos, sendo que para cada edital, uma comissão analisa e escolhe os projetos vencedores. Os contemplados recebem o recurso pré-determinado no edital – que deve ser utilizado exclusivamente na realização do projeto, tendo como objetivo assegurar a democratização do acesso aos bens de cultura, valorização da diversidade étnica e regional e a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro, entre outras iniciativas.

Ameaçado de morte o jornalista e dramaturgo Marcelo Dias Costa lançou seu novo livro em Contagem - MG.

Nota pública do Fórum Popular de Cultura de Contagem à imprensa, sindicatos dos jornalistas, sindicatos dos artistas do teatro e da dança, movimentos e organizações políticas e sócias, organizações de direitos humanos e de luta pela livre expressão, aos poderes legislativos municipal, estadual e federal.  E a toda sociedade em geral!

Noite de lançamento foi marcada de muita emoção e solidariedade ao artista que não pode estar presente no lançamento do seu próprio livro.

A noite da sexta feira, 27 de junho, ficou marcada na história da Casa do Movimento Popular em Contagem, não apenas pelo fato de receber o lançamento do segundo livro independente produzido em seis meses por Marcelo Dias Costa, mas por se configurar, a casa, como espaço extremamente necessário para cumprir sua função primeira: Abrigar movimentos, sociais políticos, perseguidos, resguardando os direitos humanos. Foi no casarão construído com doação de instituições internacionais em meio à ditadura militar para servir de apoio aos movimentos e a cidade atravessada pelas grandes greves operárias, que aconteceu o lançamento do livro Inutrealidade – Teatro aos que tem fome!

De início, todos estranharam de o fato do autor não estar presente, pensando ser alguma surpresa para o lançamento. Aos poucos a emoção foi tomando conta da noite marcada pelo gesto solidário de dezenas de companheiros que se moveram para expor de forma artística o ocorrido com Marcelo Dias a lastimável situação da cidade Contagem.

Há três semanas atrás Marcelo estava assistindo uma apresentação musical em um barzinho de Contagem, quando percebeu um homem que estava o estava encarando e assim que Marcelo olhou para ele, disse essas palavras: "é você mesmo, você está pedido".

Sem entender o que ele queria dizer, Marcelo perguntou se o homem estava falando com ele, e Ele disse novamente: "você está pedido!". Marcelo, que não sabia o que isso significava, mas já achando muito estranho, perguntou se não estava sendo confundido com outra pessoa, o homem reafirmou sua ameaça, dizendo ainda que sabia tudo sobre ele, endereço, vínculos sociais e se retirou do local voltando alguns momentos depois com mais quatro. Um dos homens que entraram com o sujeito anterior bateu no ombro do Marcelo e disse com sarcasmo: "Deus te abençoe".

Percebendo o perigo, Marcelo tentou ficar no bar por mais um tempo para ver se os homens iriam embora. Depois de um tempo os homens saíram do bar mas ficaram esperando do outro lado da rua encostados em um muro. O bar era ao lado da escola Helena Guerra e ao tocar o sinal de saída, vendo muitos jovens parando na porta do bar, Marcelo decidiu tentar se misturar aos alunos e sair sem ser percebido. Por um instante de distração dos homens, Marcelo passou pelos alunos e começou a correr, quando virou uma esquina olhou para trás e se viu sendo perseguido, no que conseguiu correr, se esconder e ganhar tempo de fuga.

Chegando às mediações de sua casa, percebeu novamente a presença de alguns dos que o perseguiam, a partir de então se manteve escondido. Foi registrado um boletim de ocorrência policial sobre o fato ocorrido contando com pedido de investigação e, por orientação da Polícia Civil, Marcelo e sua família se retiraram da cidade. Depois entrou em contato com um amigo que trabalha na polícia, o qual explicou que a expressão "estar pedido" é o mesmo que estar mandado de morte.

Marcelo estava a espera de seu livro, que viria da gráfica, na mesma semana, mas teve que partir antes mesmo de vê-lo. Porém decidiu fazer o lançamento do seu livro e entrou em contato com amigos mais próximos para contar o ocorrido. Deu orientações a eles e pediu que produzissem esse lançamento por ele enquanto não podia estar presente, fazendo desse lançamento também um ato político, um lançamento de resistência.

Marcelo se fez presente não fisicamente, mas nas falas do amigos e por meio da leitura de uma carta enviada por ele, explicando o motivo de não estar presente e trazendo a necessidade de refletir sobre uma cidade que parece estar parada no tempo, no medo e no silêncio da exclusão e da perseguição. Seus companheiros da cia Crônica também fizeram uma leitura dramática de um dos seus textos, do novo livro. Trecho da carta: "Não, não sou mesmo da sua gente. E é isso o que te incomoda! Não consegue entender que ainda há gente que não se compra com cargos ou propina, ou com sua política "do que você precisa que cale a boca"?! Precisamos do que você nunca pôde dar por competência. A lacuna do seu despreparo sempre foi intransponível. Pensou mesmo que sua promessa de morte me faria bicho acossado?! Somos nós os que te conhecem, pequena suja! E somos muitos pra que você possa a todos assassinar – como a mim foi prometido."

Foi feita a leitura de seu Boletim de Ocorrência e logo em seguida a carta deixada por ele na integra, tornando público o ocorrido. Contar essa história publicamente e fazê-la ser vista pelo maior número de pessoas é também uma forma de se proteger e proteger seus amigos, e ativistas da cidade que estão sofrendo as mesmas ameaças. Marcelo é jornalista e tem sido um dos grandes responsáveis por textos e críticas sobre a situação social e política em que se encontra a cidade, que é grave. Afirmando sempre seu compromisso ético de profissional, nunca se omitiu ou deixou de dizer algo dentro de sua liberdade de expressão, ainda que em plataformas de comunicação independentes, que inclusive vem incomodando muita gente não só em Contagem, mas em todo Brasil, principalmente neste momento.

Marcelo é uma pessoa integra, não tem nenhuma ligação com atividades ilegais e criminais. Pelo contrário, no último ano tem sido ativista incansável do Fórum Popular de Cultura por uma cultura e uma cidade mais justa e democrática. Participou de ocupações culturais, reivindicações, reuniões e audiências na Câmara Municipal de Contagem, das mobilizações de uma greve de 56 dias dos trabalhadores da educação e tantas outras lutas. Sempre muito entregue a causa coletiva, Marcelo nunca poupou esforços, assim como o movimento do qual ele faz parte, para expor e denunciar o descaso político em Contagem, acreditando assim que sua perseguição possa ter motivação política. Marcelo e sua família são, dentre tantos, o retrato atual de uma cidade que expulsa seus cidadãos.

Lamentavelmente a cultura independente de Contagem teve que se fazer novamente mais resistente do que de costume. Sendo acolhida pela Casa do Movimento Popular, que expressou toda sua solidariedade à Marcelo Dias Costa na noite desta sexta, 27 de junho. Não houve como conter as emoções com a Casa cheia de pessoas querendo a dedicatória do autor que não estava presente em seu próprio lançamento, e que saíram perplexas depois de descobrirem que não se tratava de uma encenação, onde o autor não aparecia ou estava atrasado, mas sim refugiado por ser ameaçado de morte! Com a leitura de uma carta que parecia ser escrita na antiga ditadura brasileira, era difícil acreditar que estávamos em 2014. Foram muitos os gritos de RESISTÊNCIA MARCELO! Ficou o gesto de que somos todos Marcelo Dias Costa. Somos todos ameaçados, por  não nos calarmos, por irmos atrás dos nossos direitos básicos em uma cidade que isso ganha nome de baderna. Se hoje nos calarmos frente ao ocorrido com este jornalista, poeta e dramaturgo, amanhã serão outros tantos jornalistas e artistas a serem perseguidos!

Pedimos à todos que ajudem a divulgar o ocorrido, sendo a publicitação do ocorrido nossa única forma de segurança neste momento. Queremos que todos saibam que não seremos bichos acossados!

Fórum Popular de Cultura, Contagem 28 de junho de 2014.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

APONTAMENTOS SOBRE A ÓPERA DO TRABALHO


Por Jussara Trindade[1]

São 14:00h e falta 1 hora para o início desta apresentação da Ópera do Trabalho, numa tarde de domingo ensolarado no Parque Ecológico do Tietê. São muitos atores, pois o núcleo artístico do Buraco d`Oráculo inseriu, no espetáculo, alunos de suas oficinas teatrais. Estes se preparam na barraca-camarim armada atrás do painel que delimita ao fundo a área circular da representação. Jovens atrizes começam a aquecer o corpo no espaço cênico, fazendo alongamentos. Os figurinos, masculinos e sóbrios, mesclam cores terrosas; são marrons, verdes e cinzas sobre os quais foram impressos grandes códigos de barra, fazendo dos próprios atores e atrizes, mercadorias vivas...
A atriz Selma Pavanelli se prepara ao acordeom, dedilhando escalas. O público começa a se aproximar; são muitas famílias com crianças que sentam no gramado, agradável pela sombra das árvores e a brisa suave. Soa música ambiente, instrumental. São distribuídos programas com a forma e a cor da Carteira de Trabalho oficial, onde podemos ler a apresentação da proposta do grupo, as letras das canções, e nos divertirmos com as fotografias reais dos próprios atores e atrizes, retiradas de suas carteiras de trabalho. Parte dos atores se mistura ao público, que formou um semicírculo ao redor do espaço cênico frontalizado. Cessa a música, é hora de trabalhar! O elenco performa gestualmente os movimentos de distintas profissões. Primeiro, em total silêncio. A seguir, sons vocais são acrescidos a essa imagem silenciosa. Quando Adailtom Alves e Selma Pavanelli abraçam seus instrumentos na área destinada aos atores-músicos, ouvem-se palavras soltas no espaço, emitidas lentamente pelos outros atores:
Manobra...
Massa...
Massacre...

A guitarra cria uma base sonora num sloop rítmico para a performance que se inicia no centro da roda. Gestos maquinais, linhas retas e mecânicas cortam o espaço cênico. Os atores criam homens-máquinas, robotizados, que paralisam num dado momento. Tem início o tema de Abertura da Ópera do Trabalho. Ao trompete pocket, o ator Edson Paulo dá apoio à tonalidade da peça musical com longas notas ocasionais, enquanto todos entoam a Canção do Ofício Oficioso (verdadeira pérola musical criada pelo ator Toni Edson, durante uma visita à sede do grupo) que recria com maestria a função primordial dessa parte essencial do gênero operístico: projetar no ambiente o “clima” emocional propício, levando o espectador-ouvinte a mergulhar na esfera do “drama” que está prestes a começar. Por isso, no universo musical a Abertura tem um tempo especial, carregado de solenidade, uma melodia marcante, um certo suspense...
Ao término dessa Abertura, estilizada pela alternância do refrão sinfônico com um baião rasgado, executado em andamento presto (em minha opinião, acelerado demais para um entendimento satisfatório da belíssima letra) inicia o Ato I - narração irônica do que poderíamos chamar de “a saga de Mazé e João” – em que são apresentadas belas imagens cênicas de momentos do cotidiano de um casal de trabalhadores em sua labuta diária: a falta de gêneros básicos dentro de casa, a batalha exaustiva para conseguir um lugar no trem/metrô/ônibus, e o próprio local de trabalho, no caso uma fábrica emblemática, quase tão caricatural quanto aquela que inspirou Charles Chaplin em Tempos Modernos. Porém, a atualidade da fábrica fica, aqui, por conta de dois quadros fundamentais: o da ginástica laboral oferecida aos funcionários, e o da “saudável” brincadeira de competição entre as seções, elementos esses que denunciam a falácia das chamadas “dinâmicas de grupo” criadas com base em minuciosos estudos das relações humanas dentro do ambiente altamente competitivo das grandes empresas, as quais se disseminaram por todo o globo a partir dos anos 80.
O primeiro quadro, apresentado sobre um excelente fundo musical instrumental executado por atores-músicos do próprio grupo, é narrada e comentada por “jornalistas” que descrevem – sempre com muita ironia – cada momento desse cotidiano repetitivo e mecânico, desvelando ao público uma situação de vida em que o trabalho, muito longe de poder ser considerado “sagrado” tal como tendemos a idealizar por força de nossa carga cultural judaico-cristã, é descrito como um jogo desigual e injusto, pelo menos para essa parte menos favorecida da população. No segundo, o logro da máxima o-trabalho-dignifica-o-homem é desvelado a partir de um ágil jogo corporal entre os atores, que cantam um funk no melhor estilo pancadão malicioso, enquanto jogam entre si as caixas de “mercadorias” produzidas na fábrica. Cabe, aqui, um destaque para a musicalidade exuberante dos atores e atrizes, que alternam a voz masculina do “patrão” com o coro feminino de “funcionárias”, para a delícia do público que se diverte com o duplo sentido característico desse gênero. A primeira parte do espetáculo finaliza, assim, com o toque de crueldade sutil que evidencia o estilo brechtiano do Buraco d’Oráculo ao manter-se fiel à reflexão crítica sem, porém, abandonar o bom humor.
            No momento seguinte o espetáculo contrapõe, à comicidade do início, a delicadeza de imagens cênicas que apresentam o trabalho como uma verdadeira pena, imposta a mulheres e crianças em sua condição de fragilidade. O recurso da narração autobiográfica, na 1ª pessoa, faz da cena das lavadeiras, que cantam enredadas em seus varais – aqui, transformados em amarras que sujeitam e oprimem seus corpos – um momento de grande dor e emoção, espelhados no olhar do público. O sentimento se aprofunda na cena seguinte, em que o ator Edson Paulo recita Meninos carvoeiros, poema de Manuel Bandeira, e são narrados dados reais sobre o trabalho infantil no país. A introdução do real no universo ficcional evidencia, mais uma vez, a vertente épico-dialética na qual o coletivo paulistano apoia a sua criação artística. O clima doloroso é, contudo, rompido pela súbita entrada em cena de uma figura com cabeça de televisão. Empunhando uma vara de pescar, esta vai “fisgando” os atores, que correm atrás da isca num frenesi de consumo desenfreado. Após a “destruição” desse deus-logomarca pelos personagens enlouquecidos, o espetáculo dá lugar novamente ao humor, utilizando desta vez algumas das mais tradicionais técnicas de palhaço, sobretudo a de “pancadaria” que, enriquecida pelo recurso à sonoplastia, provoca o riso sincero dos adultos e a gargalhada das crianças.
Na sequência do último Ato, os atores reorganizam o espaço cênico sob um interessante fundo musical de suspense, até que, num suporte, é colocado o anúncio de “VAGAS”... para a Ópera! Um verdadeiro presente para a categoria artística que, embora quase ninguém se lembre, também é de trabalhadores. Os atores, que agora têm saias frufru cor-de-rosa e outros adereços de ballet clássico colocadas sobre os rústicos figurinos de trabalhadores, são a imagem cômica do artista que, como diz o refrão da canção, têm que se encaixar aos modelos impostos pelas instituições que “ditam as regras” do mercado cultural.
Após outros quadros que apresentam de modo crítico e bem-humorado o surgimento de algumas profissões, como a de operador de telemarketing, ao lado de outras já extintas, descritas na letra do Samba da preservação, o espetáculo adquire um tom mais sério e didático, citando o “camarada” Marx e outros importantes personagens de um ideário social-humanista como Che (Guevara) e Marighela. Na cena final, o ator e também diretor do espetáculo Adailtom Alves pega a guitarra e solta a voz num rap-rock-pauliceia-pauleira, num explícito convite à destruição das velhas estruturas sociais. O grupo de atores atende ao apelo derrubando com o próprio corpo a pirâmide que fora erguida bem no centro da roda durante a cena anterior, espalhando pela plateia as caixas usadas para erguê-la. Ao término dessa ação catártica, agora embalados pela suavidade da canção final entoada a capella, os atores e atrizes convidam o público a participar da reconstrução do mundo, entregando aos espectadores as caixas espalhadas – escombros de um mundo desgastado que temos, em algum lugar de nossos sonhos, a fantasia de transformar.
O espetáculo termina, então, sem apresentar uma proposta sobre essa “nova” sociedade que se pretende criar, apontando apenas que se trata de um movimento ainda em gestação, coletivo, o qual depende da participação de muitos e, principalmente, que não será vivido sem que as estruturas antigas caiam por terra. “Não há mais lugar para reformas, apenas para revoluções”, parece afirmar a Ópera do Trabalho, que estreou em São Paulo poucas semanas depois da eclosão das manifestações de rua que se disseminaram como “fogo na palha” por todo o país nos meses de junho e julho. Acaso ou não, esta coincidência significativa – uma notável manifestação de sincronicidade junguiana – parece se ajustar perfeitamente à vocação oracular desse grupo de teatro de rua, que há quinze anos vem trazendo aos mais diversos públicos a oportunidade de pensar sobre os caminhos a serem trilhados, em busca de um mundo mais justo para todos e todas.
Ao término deste “comentário teatral”, gostaria ainda de fazer duas considerações, uma de natureza estética e outra, política. A primeira diz respeito à corajosa inserção da noção musical de ópera num espetáculo de rua, decisão essa que traz consigo um desafio notável uma vez que, nas origens deste gênero da música europeia, os atores-cantores tinham a seu favor um ambiente cênico que amplificava suas vozes pela simples configuração arquitetônica desses espaços luxuosos, construídos para o deleite da nobreza, e cujos temas abordavam apenas lendas e personagens mitológicos, com total primazia do ficcional, da fantasia e da alegoria que caracterizou o período barroco no século XVII. É digno de nota que a ópera do Buraco d’Oráculo tenha sido elaborada na contramão dessa concepção original, em quase todos os aspectos: tipo de espaço cênico (ruas, espaços abertos), de público (cidadãos, trabalhadores), de cenários e figurinos (enxutos, minimalistas), de temática (luta de classes, operariado). O que poderia ser reconhecido nele, então, como uma ópera? Arrisco dizer que não é apenas o fato de ter várias canções entoadas pelos atores durante a função, individualmente ou em coro, o que assegura a coerência do título do espetáculo, mas o modo como a sua musicalidade é articulada à encenação propriamente dita, fazendo da música – como diz o programa – “a tônica da dramaturgia”. Aqui, dois elementos musicais essenciais do canto operístico – o recitativo e a ária – constroem, com seus respectivos desenhos sonoros, a significação dos fatos apresentados cenicamente. Com o primeiro, dá-se o relato da história (as narrações, os comentários, os dados reais, as leituras) acompanhado de uma base musical que acentua e valoriza alguma palavra ou trecho “recitado”. Já a ária (termo que significa, simplesmente, “canção”) mostra o pensamento e as emoções dos personagens diante dos acontecimentos.
A Ópera do Trabalho dá continuidade ao objetivo de investigar as histórias das pessoas que vivem nas comunidades da periferia de São Paulo, enfocando agora a questão do trabalho. Nesse processo, surge a musicalidade como aporte fundamental à pesquisa estética a que o grupo se entrega com muita determinação e vigor. Vale lembrar que, em busca de alcançar artisticamente aquele objetivo maior, o coletivo empregou tempo, recursos e muito esforço pessoal no aprendizado e aprimoramento de suas competências musicais – técnica vocal e instrumental, canto coletivo, leitura e escrita musical, dentre outras. É a consciência de que a teatralidade do teatro de rua depende, em grande medida, de sua musicalidade.
A segunda consideração, de ordem política, tem a ver com os protestos realizados no país nas últimas semanas. Nunca se ouviu tanto falar em “rua”! Ou na “voz das ruas”. Trata-se de um fenômeno inédito, com desenho próprio, pertencente a este tempo. Tão recente que ainda não tivemos tempo (e distanciamento) suficiente para compreendê-lo. Creio, porém, que as manifestações de rua que tomaram o país no mês de junho tornaram repentinamente “ultrapassado” o chamado para “quebrar as estruturas”, uma vez que as mesmas estão sendo literalmente quebradas. Sem figuras de retórica!
Essas manifestações têm revelado que a demolição das estruturas já estabelecidas pode ser bem menos poética que a apresentada pelo Buraco d’Oráculo no final da Ópera do Trabalho. O que pode o teatro de rua fazer, diante da crueza de uma situação que não só entra em nossos lares pela televisão, mas põe em perigo real a integridade física de quem estiver apenas passando por perto de uma passeata, ou talvez participando de uma delas, na legítima defesa de seus direitos de cidadania? Como fazer com que o teatro de rua não pareça estar “perdendo o bonde” diante dessa realidade tão atual? Como não ficarmos com um certo ar retrô diante dos últimos acontecimentos e, ao mesmo tempo, não abrirmos mão da poesia e da delicadeza, elementos tão preciosos à arte do teatro? Esse, em minha opinião, é provavelmente o maior desafio que o teatro de rua – em sua vocação de Arte Pública – tem pela frente.

São Paulo, 04 de agosto de 2013.


Publicado originalmente em A Gargalhada nº 27.




[1] Mestre e doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UNIRIO; educadora musical e musicoterapeuta especializada em Psicomotricidade e Pedagogia do Movimento; co-autora do livro Teatro de Rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio (2010).

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Teatro de grupo


Adailtom Alves Teixeira[1]

A arte teatral é coletiva por definição. Ninguém faz teatro sozinho, mesmo em monólogos existe sempre uma pequena equipe auxiliando o ator. Em sua essência o teatro pressupõe o coletivo, já que essa manifestação artística só ocorre quando um ator ocupa um espaço e se relaciona com o espectador.
Para além dessa proposição inicial, existe um teatro praticado Brasil a fora chamado de teatro de grupo, isto é, pessoas que se juntam para expressarem seus desejos, angústias e críticas por meio da arte, levando diversão, lazer e reflexão. Sem dúvida o que tem sido produzido de mais interessante nos últimos 60 anos, sem exagero, vem sendo realizado pelo teatro de grupo, e não só em nosso País. E é possível afirmar que só cresce o número de coletivo teatrais, que vem popularizando o teatro, ainda que nunca tenha sido uma arte de massas no Brasil.
Néstor García Canclini em seu livro Arte popular y sociedade em América Latina, traduzido por aqui como A socialização da arte, afirma que o teatro, durante muitos séculos foi uma arte popular e apresenta algumas experiências que, mais que levar arte ao povo, possibilita que se apropriem dos meios, das técnicas, para que eles próprios façam teatro. Eis aí uma tarefa ainda atual e muitos são os grupos preocupados em permitir não só o acesso ao teatro, mas também se preocupam em fornecer os meios para que mais pessoas possam praticar essa arte. O jogo teatral faz parte do ser humano e pode ser praticado e assistido por todos e todas, por isso foi utilizado durante a Revolução Russa, em uma sociedade de maioria analfabeta.
Para Canclini, “os grupos mais avançados são os que descobriram que a formação teatral inclui, além da aprendizagem técnica, a análise das condições sócio-econômicas e comunicacionais do meio em que se procura operar, suas necessidades básicas e os conflitos que impedem satisfazê-las”. Esses elementos permite saber qual teatro necessário para cada realidade. Dialogar com o lugar, o particular, sabendo que este reflete e refrata o universal.
Teatro é antes de tudo comunicação, daí a importância dos procedimentos, vocabulários, entre outros. Muitos são os grupos que se apropriam de um vocabulário e de técnicas populares, visando, justamente, se tornarem mais efetivos em sua relação com o público. Dessa forma se colocam em outra disputa, pois, ao se apropriarem dos “códigos populares”, passam, muita das vezes, a sofrerem preconceitos, já que essas técnicas não são reconhecidas pelos centros de produção de saberes. No entanto, muito são os exemplos bem sucedidos. O próprio Brecht se apropriou de técnicas populares, assim como os Centros Populares de Cultura, o Teatro Popular União e Olho Vivo – grupo mais antigo do Brasil, com 47 anos de existência, tem como pressuposto básico as matrizes populares, como a capoeira, o bumba-meu-boi e outros.
No Brasil, muitos são os coletivos com mais de 30 anos, como o Tá na Rua (RJ), Oi Nóis Aqui Travéiz (RS); dezenas os que têm mais de 20 anos, como o GPT (AC), Pombas Urbanas (SP); centenas com mais de 10 anos, como Nu Escuro (GO), Teatro de Caretas (CE) e outros tantos que nascem e morrem a cada dia por diversos problemas. Entretanto, em geral, um grupo não morre, ele se multiplica, pois teatro é junção e diáspora; quando um grupo se acaba geralmente dois ou três surgem.
De qualquer forma, é importante destacar que, apesar da produção hegemônica por parte do teatro de grupo, a exceção do Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, não existe políticas públicas de cultura destinadas a essa forma de organização e de produção artística, residindo aí uma das grandes dificuldades em se perpetuarem. Ainda assim, os coletivos existem e resistem fazendo arte teatral nos mais diversos rincões do Brasil, fazendo brotar flores no asfalto.


Texto produzido para o Brasil de Fato.



[1] Graduado em História; Mestre em Artes.

Campanha "Preservar é Resistir" em Ubatuba

É com grande satisfação que convidamos a todos para o lançamento da campanha "Preservar é Resistir" em Ubatuba no dia 28/06 (sábado) as 17:30h durante a tradicional festa de São Pedro Pescador de Ubatuba.

O  Fórum de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba preocupado com a garantia dos territórios tradicionais   para preservar os modos de vida dessas populações lança a Campanha "PRESERVAR É RESISTIR" - Em Defesa dos Territórios Tradicionais em Ubatuba (SP).  No sábado, dia 28 de junho, dentro da programação da tradicional festa de São Pedro Pescador de Ubatuba, SP, o Fórum das Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba lança o vídeo "Preservar é Resistir"! junto com apresentações musicais e exposição de fotos criadas pelos comunitários desse pedaço da Mata Atlântica.

A Campanha "PRESERVAR É RESISTIR" - Em Defesa dos Territórios Tradicionais quer mostrar que a cultura se mantém viva através dos saberes e fazeres dos indígenas, quilombolas e caiçaras, como a pesca artesanal, agricultura, agrofloresta, turismo de base comunitária, artesanato, festas, dança, música, oralidade, etc.. Mesmo possuindo práticas e conhecimentos passados de geração a geração e um importante papel na conservação dos recursos naturais, sendo reconhecidos como verdadeiro patrimônio cultural, vivem graves conflitos territoriais que ameaçam constantemente o seu modo de vida - especulação imobiliária, grandes empreendimentos, privatização de territórios tradicionais, turismo desordenado, restrições dos órgãos ambientais à nossas práticas tradicionais, precariedade de serviços essenciais (educação, saúde, lazer, luz).

A Festa de São Pedro Pescador, em Ubatuba, teve início no dia 29 de junho de 1923. O padre caiçara, Francisco dos Passos celebrou a missa em altar improvisado sobre balsa confeccionada a partir de seis canoas amarradas umas às outras. Em 2014, a Festa de São Pedro Pescador de Ubatuba completará 91 anos de história e tradição popular . A comemoração ao Santo Padroeiro dos Pescadores na cidade de Ubatuba (SP) é considerada uma das maiores e mais tradicionais festas do Litoral Norte de São Paulo e o Fórum de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, participa dessa festa com o lançamento da Campanha "PRESERVAR É RESISTIR" - Em Defesa dos Territórios Tradicionais exibindo vídeo da campanha ás 17h30, e logo depois com as apresentações de dois grupos de comunidades tradicionais – Aldeia Guarani Boa Vista e o grupo "Ô de Casa" do Quilombo da Fazenda - na Vila Caiçara - espaço dedicado as comunidades tradicionais no evento.

Sobre o Fórum de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP):

O Fórum de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas e Caiçaras de Angra dos Reis dos Reis, Paraty e Ubatuba foi criado em 2007, em reunião com lideranças indígenas, quilombolas e caiçaras de diferentes comunidades de Angra dos Reis dos Reis, Paraty e Ubatuba, no Quilombo do Campinho, Paraty, RJ, motivados pelo conjunto de problemas e restrições vividos por essas comunidades e pela necessidade de juntar forças para mudar este quadro. Outro fator de motivação foi o Decreto Federal 6040/2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, e que prevê fóruns regionais como instrumentos de implementação deste marco legal.

Venha participar do Ato de Lançamento da Campanha!

Serviço:

Lançamento da Campanha "PRESERVAR É RESISTIR" - Em Defesa dos Territórios Tradicionais

Ubatuba (SP) dia 28 de junho, sábado, a partir das 17h30h, na praça de eventos da 91º Festa de São Pedro dos Pescadores de Ubatuba, SP, que acontece de 25 a 29 de junho.

Site da Festa de São Pedro dos Pescadores de Ubatuba, SP: http://fundart.com.br/festa-de-sao-pedro-2014/historia-da-festa/

 
Fórum de Comunidades Tradicionais - Angra/Paraty/Ubatuba